Uma nova etapa do Fórum Social Mundial

Vinte anos após sua primeira edição em Porto Alegre, Brasil, realizada de 25 a 30 de janeiro de 2001, uma nova e muito especial etapa do Fórum Social Mundial (FSM) perfila-se no horizonte próximo. Desta vez, ao contrário de todos os anteriores, ele não terá uma sede física. A pandemia exige que, entre 23 e 31 de janeiro de 2021, os milhares de participantes reúnam-se de forma virtual. Para os promotores, o slogan de 2001 -Outro Mundo Possível- permanece em vigor; mas, a metodologia para concebê-lo deve ser reinventada e os conteúdos atualizados.

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“Mais do que nunca, a situação pandêmica mundial exige respostas globais, criativas, inovadoras e de confluência”, diz Carminda Mac Lorin. Ativista social desde as mobilizações estudantis e do Occupy (‘Indignados’) no Canadá, ela foi uma das promotoras dos coletivos altermundialistas em seu país, que convocaram fóruns sociais nacionais (2007 e 2009) e o Fórum Social Mundial de 2016, em Montreal. Integrante do Conselho Internacional (CI) do FSM, diretora da ONG Katalizo, Carminda, que acaba de concluir seu Doutorado em Ciências Humanas Aplicadas, representa um setor juvenil que nasceu no calor de novos desafios sóciovirtuais e continua apostando na atualização do movimento e dos ideais altermundialistas. Confira a Entrevista.

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Carminda Mac Lorin. Foto: Katalizo.

P: O último Fórum Social Mundial foi realizado em março de 2018, na cidade brasileira de Salvador, capital do Estado da Bahia, onde 80 mil participantes se reuniram. No entanto, de lá até agora, o FSM parece estar pouco presente no cenário do debate internacional…

Carminda Mac Lorin (CML): Após cada edição de um fórum, acontecem momentos de certa calma. São encontros muito intensos, que concentram e consomem muitas energias e exigem pausas subsequentes. O balanço da FSM de Salvador foi muito positivo. Houve grande presença de mulheres, jovens e minorias étnicas. Em 2019, o Conselho Internacional (CI), que decide onde cada edição será realizada, reuniu-se em Bogotá com a perspectiva de avaliar a convocação de uma próxima edição do FSM no México. Estávamos nesse processo quando fomos surpreendidas/os pela explosão da crise global da pandemia. Paradoxalmente, essa crise tornou-se um propulsor e um gatilho para uma nova participação. Se até então, para uma parte do Conselho, era impensável imaginar uma operação online, a lógica mudou rapidamente. Ultimamente, os encontros virtuais se multiplicaram. Este ano, aconteceu também um fenômeno muito interessante: o diálogo -e a consulta- a várias organizações, a múltiplas redes e a fóruns temáticos -como os sobre educação, migração etc. As reuniões do Conselho foram abertas e, inclusive, ampliou-se sua participação. Paralelamente, decidiu-se criar um Grupo de Facilitação, envolvendo meia centena de pessoas, representantes sociais de muitos países. Esse Grupo, especificamente, é responsável pela organização do próximo FSM virtual de 2021. Isso abre uma enorme possibilidade de perceber o global de outra maneira. Cria a oportunidade para, realmente, aproximar as experiências e as reflexões locais na perspectiva mais ampla, mundial (https://wsf2021.net/

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FSM de Salvador, Bahia. Marcha de abertura, em 13 de março de 2018. Foto: Sergio Ferrari.

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FSM 2018. Chamada de convocatória: resistir é criar, resistir é transformar.

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FSM de Salvador, Bahia. Marcha de abertura, em 13 de março de 2018. Foto: Sergio Ferrari.

O tsunami “coronavírus”

P: Eu estava falando sobre a pandemia… A vida social planetária está profundamente convulsionada. O “home office” foi instalado como uma forma quase predominante em muitos setores trabalhistas. A militância associativa, sindical, política e até a participação parlamentar são amplamente praticadas online. Essa situação particular exige também que pensemos o futuro do altermundialismo com novas fórmulas?

CML: Sem dúvida. E já estamos vivendo essa transformação. Em outubro do ano passado, realizamos o Fórum Social das Economias Transformadoras virtualmente (https://transformadora.org/es). Também vivemos a bela experiência coletiva do Espaço Aberto Viral (https://www.viralopenspace.net/pt/), que, apesar de lançado com pouco tempo de preparação, suas quase 60 atividades autoorganizadas foram um sucesso. Nós o convocamos com o slogan “Desconfinemos nossa imaginação ao redor do mundo!”. Exemplifica o potencial do virtual e testa a nova velocidade para intercambiar, refletir, propor. Com isso, não estou dizendo que toda a riqueza dos contatos humanos e da mobilização presencial podem ser substituídas. Mas, em retrospectiva, vejo que nós, a partir da batalha das/os indignadas/os e do Occupy, anos atrás, havíamos incorporado essa metodologia. E desenvolvemos fortes relações pessoais e afetos em torno dessas novas metodologias de contato e de comunicação. Mas, volto à pergunta: a pandemia implica um tsunami para a vida humana, para os métodos de participação social e, sem dúvida, para reinventar e redesenhar as utopias para as quais o FSM nos convida.

P: Quais são os principais desafios para que o FSM da última semana de janeiro possa reforçar esse processo que começou em 2001, em Porto Alegre?

CML: O primeiro e essencial: que ele se realize, que aconteça realmente. Já será um primeiro grande êxito. Ou melhor, seria o grande êxito. O número de participantes também pode refletir um sinal de futuro. Até o final de dezembro, já havia cerca de 1000 inscritos de vários países (https://join.wsf2021.net/?q=pt-pt), mas esse número continuará aumentando. Também será importante avaliar a diversidade e a qualidade das atividades propostas. Deve-se lembrar que o FSM começará com uma Marcha Virtual e um Painel de Abertura, no sábado, 23 de janeiro. De 24 a 29 haverá atividades autogestionadas e painéis correspondentes aos espaços temáticos. O penúltimo dia, 30, será destinado às convergências, assembleias e movimentos de ação. E o encerramento, no domingo, dia 31, vamos dedicá-lo à Ágora dos Futuros, para registrar iniciativas (lutas, ações, campanhas etc.), conclusões, propostas e para compartilhar agendas. Os principais eixos temáticos que foram definidos são: clima-ecologia; paz e guerra; justiça social e democracia; justiça econômica: sociedade e diversidade; comunicação-educação e cultura. (https://wsf2021.net/espacios-tematicos/). E será feita uma reflexão transversal sobre o futuro do próprio FSM.
A forma desta edição virtual é tão original que também será essencial refletir sobre as metodologias, de forma a inspirar confluências, convergências, ações comuns, questionando as próprias formas tradicionais de pensar, fazer e viver a luta. Precisamos de novos paradigmas para alcançar as mudanças que sonhamos.

Contradições internas, uma realidade “conhecida”

P: Nos últimos meses, diferentes grupos de reflexão e de debate públicos surgiram no seio do FSM. Um exemplo é o autodenominado Grupo Renovador, que reúne personalidades internacionais (www.foranewwsf.org). Ele expressa contradições políticas de fundo? Você sente essas tensões?

CML: Claro que sinto. Não é novidade. Reflete tensões que existem desde sempre. São relacionadas à forma de entender o FSM –seja como espaço ou como uma instância resolutiva-; à concepção diferente dos tempos políticos dos diversos atores dentro do FSM; ao fato de se o FSM deve ou não emitir declarações finais ou políticas. Mas, é importante notar que grande parte dessas tensões é vivida, principalmente, no Conselho Internacional. A experiência nos diz que quando os fóruns são lançados e realizados, assumem dinâmicas próprias, que vão muito além das visões que podem existir no pequeno grupo. É essencial sempre diferenciar o fórum como processo e o Conselho Internacional.
Um dos principais temas da minha tese de doutorado foi justamente sobre os espaços transnacionais de mobilização social. Neles, identifico dicotomias e paradoxos difíceis de conciliar. Embora inconciliáveis, eles agem como força motriz dos próprios fóruns e do processo em curso.
Talvez esse debate apareça agora, à luz da operação virtual, como um choque mais acentuado. Em um encontro online aberto com 50 pessoas falando línguas diferentes, de diferentes países e continentes, a expressão das ideias nem sempre é um exercício simples.

P: Uma pandemia global, uma crise mundial, obrigam os movimentos sociais a refletir em conjunto sobre questões essenciais, como o papel da saúde como bem público, os serviços públicos em geral, o papel dos Estados, o próprio significado de governança etc. Temas tão importantes no Canadá quanto na Argentina, na Suíça, na Índia, no Brasil, na Espanha ou nos Estados Unidos; ou seja, em todo o planeta.

CML: Definitivamente. É imprescindível buscar respostas articuladas em âmbito global. Os desafios superam as fronteiras. Questões essenciais, como a crise pandêmica e suas saídas econômicas, a crise climática, a tensão sempre vigente em âmbito internacional, em muitas regiões, que promove o binômio guerra-paz, exigem reflexões e respostas comuns. No entanto, o movimento e os atores sociais temos muito a aprender. Vivemos um momento histórico no qual é essencial ter humildade suficiente para aprender com as/os outras/os e deixar de lado os egos, que podem bloquear processos coletivos. Ninguém tem receitas já aplicáveis, perfeitas, únicas. E isso se aplica tanto ao fórum quanto a outros espaços internacionais existentes.

P: Quais são as prioridades após o FSM virtual do final de janeiro?

CML: Em perspectiva, avaliar se o FSM presencial pode ser realizado no México no final de 2021 ou no início de 2022, embora hoje ainda seja impossível garantir isso. Acho que é essencial seguir avançando, passo a passo. Há um processo em andamento há muitos anos, com altos e baixos. Mas, falta corpo ao processo. Por exemplo, foi muito difícil estabelecer a continuidade necessária de conteúdos entre os diversos fóruns precedentes. Não ficou tão clara, por exemplo, essa relação entre Tunísia (2015) e Montreal (2016). Tentamos reforçar essa continuidade entre Montreal e Salvador da Bahia, mas não podemos dizer que conseguimos. Esse é um dos grandes desafios: garantir essa continuidade, não começar sempre quase do zero, prolongar conclusões e resultados que serão conteúdos fundantes para as próximas convocatórias. E vamos tentar melhorá-lo entre esta convocatória virtual no final de janeiro de 2021 e o próximo FSM, no México. Precisamos garantir que nossa prática comum alimente respostas globais de e para toda a sociedade humana em crise.

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