O trágico absoluto é relativamente raro na literatura. Trata-se de um trabalho literário rigorosamente fundado no postulado da fatalidade da vida humana. Chega, no extremo, a proclamar que o melhor mesmo é nem nascer e, uma vez, sendo inevitável a vida, morrer cedo.
Pois os seres humanos destinam-se a passar por sofrimentos e derrotas, quase sempre, imerecidas; os mais sensíveis são as maiores vítimas, enquanto aqueles menos, muitas vezes se alvoram em algozes de outros seres humanos, tão pouco obtêm a felicidade.
Na obra “Quincas Borba”, mais que em qualquer outro romance de Machado de Assis, o mundo não oferece oportunidades àqueles que não se destinam a parasitar outros seres humanos; aos mais ingênuos restará apenas a loucura e a morte na mais completa solidão. Aos espertos e malandros, a ânsia permanente de acumular riquezas e de consumir, consumir sempre num mundo oco de aparências, até o esgotamento.
Machado jamais negou ser Shakespeare sua principal fonte “inesgotável” de inspiração.
Sempre, em todas as tragédias shakespearianas coexiste o cômico e o “tragos”, e, ao final a esperança, nalgum tipo de resolução dos conflitos.
Mas existe um momento de expressão da absoluta descrença nos valores da sociedade construída pelos homens: ele está na tragédia o “Timon de Atenas”!
Neste texto, inspirado e disforme, o universo é acometido de uma violenta praga: a existência humana!
Em “Timon de Atenas”, nenhuma boa ação é perdoada. Nenhum impulso descente deixa de provocar o escárnio e o desdém. A geração de um ser humano não passa de uma provocação idiota voltada à dor e a traição.
De nosso lado, a criação monumental de “Quincas Borba” se irmana ao Timon shakespeariano.
Shakespeare expõe a proximidade entre pobres e ricos, separados não pelos valores, mas pelo tamanho da fortuna.
“Timon de Atenas” explode em nós a consciência do egoísmo como uma faceta terrível da corrupção e do cinismo humanos.
A solidariedade humana somente se pode encontrar entre os mais humildes servos (atenienses), ou junto à velha comadre de Barbacena.
Afinal, como disse o Pintor, personagem da tragédia shakespeariana, “a não ser entre a gente simples e ingênua, está fora de uso cumprir-se com a palavra dada.”
Convidamos à leitura de nosso ensaio.