Em 13 de novembro de 1973 a produção de Calabar foi oficialmente desfeita. O espetáculo teatral estava quase pronto, mas não lhe foi permitido estrear. Tratava-se da primeira montagem da dramaturgia de Chico Buarque e Ruy Guerra, escrita poucos meses antes. O texto foi liberado pela Divisão de Censura de Diversões Públicas, e Fernando Peixoto dirigiu a encenação – uma superprodução que empregava cerca de oitenta trabalhadores. Às vésperas da estreia, a peça foi arbitrariamente proibida pela Censura.
A pesquisadora Nina Hotimsky dedicou o seu mestrado a investigar essa encenação censurada. Entrevistou artistas que trabalharam no espetáculo, visitou arquivos, e encontrou registros da montagem. Entre eles, uma fita cassete em que o encenador Fernando Peixoto e o diretor assistente Mário Masetti gravaram uma descrição e um estudo da montagem, um dia após a interrupção forçada dos ensaios.
“A iniciativa de registrar oralmente a encenação, comentando detalhadamente cada cena”, diz Nina, “foi uma expressão objetiva de resistência à censura. Enquanto o Estado brasileiro impedia que se mencionasse a palavra “Calabar” em quaisquer meios, a equipe de direção criava um documento com o máximo de detalhes possível. Não se tratava de um puro elogio ao espetáculo. Pelo contrário: na fita registravam-se dúvidas, inacabamentos, caminhos apontados que não haviam sido suficientemente aprofundados”.
Se a peça continha esses problemas, para que o esforço em preservar sua memória? “Talvez porque, em suas imperfeições e em suas potências, ela se tornara um testemunho importante do teatro brasileiro dos anos 1970 e das questões do país à época. Esse desejo de proteger o espetáculo do esquecimento também foi endossado pela boa vontade com a qual artistas envolvidos com a montagem se prontificaram a colaborar”, explica a pesquisadora.
A luta contra o esquecimento ganha agora mais um capítulo. O resultado dessa investigação vai ser publicado no próximo sábado. O livro vai se chamar “O trabalho de encenação em Calabar: o espetáculo censurado e as reflexões de Fernando Peixoto”. A capa é da artista visual Beá Meira, e o prefácio foi escrito por Sérgio de Carvalho, diretor do grupo teatral Companhia do Latão e professor da Universidade de São Paulo, orientador da autora durante o seu mestrado.
O livro de Nina Hotimsky será publicado na Coleção Acadêmicas, da Editora Desconcertos. A coleção é dedicada à valorização, conhecimento e publicação de trabalhos de pesquisas acadêmicas realizadas por mulheres, sincronizando as várias ciências humanas e as Artes. A coordenação é de Paula Autran, em parceria com o editor Claudinei Vieira.
Pela mesma Coleção, no sábado também será lançado o livro da pesquisadora Giuliana Almeida. Ela se debruça sobre uns dos trabalhos biográficos mais incensados e prestigiados do mundo da literatura (russa e mundial): a obra Dostoiévski, que levou quase duas décadas para ser escrita e se tornou um ícone de um certo modo de pensar a vida pessoal de um escritor em relação com sua obra. No caso, um dos maiores nomes da literatura mundial de todos os tempos, Fiodor Dostoiévski.
Os lançamentos, online, vão acontecer no sábado, dia 4 de julho, às 16h. O ponto de encontro será o canal da editora no Youtube: https://www.youtube.com/channel/UChc3U-eM9BF7Waz7ZhRA2UA/. Os livros já estão disponíveis na página https://desconcertoseditora.com.br/categoria-produto/pre-lancamentos/
Em tempos tão avessos à produção de conhecimento, fica o convite para festejar a chegada desses dois livros!