Protesto no cartão postal de Salvador evidencia a agressividade dos efeitos da pandemia para periferia

Imagem: Lucas Barbosa

O Farol da Barra, um dos principais pontos turísticos de Salvador, amanheceu nesta quarta-feira (10) com cruzes e cartazetes marcando o primeiro ato simbólico de denúncia das fragilidades que os bairros populares estão expostos durante a pandemia do novo coronavírus. Cerca de quinze lideranças, que formam parte do Comitê Comunitário Virtual de Monitoramento das Ações de Enfrentamento da COVID-19 nas comunidades empobrecidas, estiveram no local erguendo a voz para que os órgãos públicos se importem realmente com as vidas negras, que correspondem a 81% (oitenta e um por cento) da população soteropolitana.

Munidos de máscaras, álcool gel e protetores faciais, os moradores protestaram cobrando dos órgãos públicos ações que permitam que a maioria da população da cidade de Salvador seja atendida efetivamente com as medidas de prevenção, diagnóstico e tratamento. Entre as denúncias estão: carência de segurança alimentar e nutricional garantida para a população em vulnerabilidade; ausência de ambulância nas unidades de saúde nos bairros e a falta de testagem em massa; fim das filas na Caixa Econômica e demais agências bancárias.

As ações que prefeitura e o governo do Estado vêm promovendo timidamente não dão conta da realidade que a população dos bairros populares vivencia, apontando assim para a ausência de estratégias efetivas que estejam de acordo com as particularidades e as necessidades gerais de cada território. Sendo assim, o Comitê Comunitário cobra destas instâncias de poder, por exemplo, que se interessem em eliminar o racismo institucional que ameaça as vidas dos quilombolas de Ilha de Maré – território mais negro da capital baiana (90%).

O coletivo que reúne lideranças de 60 bairros populares de Salvador identifica como necessário para a população desses locais, assim como para os profissionais de saúde que atuam na região, a capacitação e instrução adequada para lidar com a COVID-19 a partir da saúde e da comunicação. Já vimos que uma voz que só diz “Fique em casa! O coronavírus está matando pessoas…” não causa o impacto que gostaríamos e precisamos.

Além disso, o Comitê Comunitário reivindica: vacinação (H1N1, entre outras) em todas as unidades de saúde dos bairros; distribuição de água sanitária e sabão para a população dos bairros; transporte coletivo gratuito com aumento da frota nos horários de pico; ampliação do serviço de Telecoronavírus 155 para 24 horas; garantia de acolhimento e amparo as mulheres, crianças e adolescentes em situação de violência doméstica; ampliação do fumacê nos bairros para combate a dengue, zika e chikungunya.

Há três meses, moradores de bairros populares vêm coletando dados, cruzando informações e utilizando as intersecções sociais para compreender as necessidades e denúncias de cada região. Um deles é o relatório “A Distribuição Espacial do Coronavírus nos Bairros de Salvador”, elaborado pelo Comitê, que aponta para o aumento de casos confirmados e da taxa de incidência (risco) de contaminação nos bairros empobrecidos. Entre o período de 14 de março a 02 de junho, Salvador registrou 10.561 casos confirmados do COVID-19, destes 63,7% estão localizados em bairros empobrecidos, 27,3% em bairros de classe média e 9% em bairros de classe média alta. Para a socióloga Vilma Reis, “a pandemia evidenciou o abandono de décadas nos bairros populares de Salvador, sem serviços de qualidade. Essa situação desafia o Brasil a não voltar ao normal da precarização na vida da maioria de nosso povo”.

Ainda de acordo com a ativista o ato marca uma agenda: “para que a população dos bairros populares de Salvador tenha garantido o isolamento social com direitos, para que elas saibam e tenham a oportunidade de preservar suas vidas, negras em sua maioria. Vamos continuar cobrando que tenhamos ampla testagem na população, seguiremos coletando dados, monitorando os órgãos para que assegurem efetivamente que os recursos de prevenção, controle, diagnóstico e tratamento cheguem a essas pessoas”, salienta Vilma Reis que integra o Comitê e é moradora do bairro Dois de Julho (data da independência da Bahia). Ela finaliza dizendo “assim como George Floyd gritou para o Mundo: Nós queremos respirar!”.

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Imagens: Lucas Barbosa, Juliana Dias, Josy Azeviche
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