Imagem; À esquerda, Jim Yong Kim, então presidente do Banco Mundial, ao lado de Robert Azevedo, director da Organização Mundial do Comércio – 30/06/2015 (foto: © WTO/Studio Casagrande – Flickr)
No dia 7 de Janeiro de 2019, Jim Yong Kim, presidente do Banco Mundial (BM), anunciou a sua renúncia. A direcção interina será assegurada a partir de 1 Fevereiro 2019 por Kristalina Georgieva, actual directora-geral da instituição, até que o presidente dos EUA, Donald Trump, nomeie um sucessor. Eis um símbolo dessa instituição antidemocrática que labora contra os interesses das populações mundiais.
O presidente do Banco Mundial, Jim Yong Kim, apresentou a sua demissão, com efeitos a partir de 1/02/2019. Trump tem negócios privados com Kim, nomeadamente por intermédio de membros da sua família. JY Kim abandona o seu cargo no Banco Mundial para se juntar a um grande fundo de investimento privado no sector das infraestruturas. [1]
Embora compita ao Conselho de Administração do BM a eleição do seu presidente por um período de cinco anos, na realidade impõe-se uma regra tácita: o posto está reservado a um representante dos EUA, directamente designado pelo presidente norte-americano, com desprezo por todos os princípios democráticos. Desde 1946 foram nomeados para o cargo 12 homens, todos eles de nacionalidade norte-americana. [2]
“O domínio dos EUA e dos seus aliados dentro da instituição continua. Os países que representam 80 % da população mundial não chegam a ter 50 % dos direitos de voto”
Outra expressão da influência dos Estados Unidos no seio dessa instituição reside nos perfis dos «felizes eleitos», sempre estreitamente ligados ao grande capital, em particular o capital financeiro. O Banco Mundial, largamente financiado através da emissão de títulos, encontra-se depende económica e politicamente dos bancos que o financiam e de outros grandes organismos financeiros norte-americanos. Entre 1981 e 1986 o BM foi dirigido por Alden W. Clausen, que também foi presidente do Bank of America – nessa época profundamente envolvido na crise da dívida do Terceiro Mundo – imediatamente antes e depois da sua passagem pelo cargo no BM. Robert Zoelick desempenhava funções no Goldman Sacks antes do seu mandato no BM, em plena crise financeira de 2007 a 2012. O mesmo se passou com Robert S. McNamara, antigo dirigente da Ford Motor Company, que participou alegremente no financiamento de regimes ditatoriais e corruptos – durante a Guerra Fria, no Vietname e na República Democrática do Congo, por exemplo –, tanto durante o seu exercício como secretário de Estado da Defesa durante o mandato de John F. Kennedy e Lyndon B. Johnson, como na presidência do BM entre 1968 e 1981. [3]
Embora ostentasse uma imagem mais polida, em virtude da sua formação universitária em medicina e antropologia, JY Kim não traiu os princípios vigentes na instituição. Disso mesmo faz prova a política estrutural que ele levou a cabo no seio do Banco Mundial desde 2012. É certo que o aumento de capital no montante de 10 500 milhões de euros, validado em abril de 2018, [4] foi acompanhado de uma redistribuição dos direitos de voto no seio da instituição, mas isso não pôs em causa o seu funcionamento, no fundamental. Os EUA continuam a dispor de 16,89 % dos votos, conservando de facto o direito de veto (em caso de voto, é preciso reunir 85 % dos votos para validar uma decisão). O domínio dos EUA e dos seus aliados dentro da instituição continua. Os países que representam 80 % da população mundial não chegam a ter 50 % dos direitos de voto.
Duma maneira geral, e a par do facto de o sistema capitalista, principal responsável pelo aquecimento climático e pelas desigualdades entre países e no seio de cada país, se ver em dificuldades após a crise de 2007-2008, o BM de JY Kim reforçou o poderio dos actores do grande capital financeiro, através do acréscimo dos seus empréstimos, sempre praticados a taxas de mercado. [5]
JY Kim também promoveu o shadow banking e a titularização – em plena crise de 2007-2008 – para financiar o desenvolvimento, [6] ao mesmo tempo que intensificou o recurso ao sector privado por via da Sociedade Financeira Internacional (SFI), filial do BM famosa pelos seus laços estreitos com os paraísos fiscais. O BM e JY Kim não aprenderam a lição dada pelo estrondoso falhanço dos planos de ajustamento estrutural e insistem no desmantelamento e enfraquecimento das estruturas públicas, em proveito das empresas privadas cujos projectos se traduzem em graves infracções aos direitos humanos: açambarcamento de terras, repressão, deslocação das populações, [7] prisões arbitrárias ou assassínios a fim de silenciar os movimentos de protesto. [8]
Em defesa directa dos interesses da maior potência política mundial, em maio de 2017, JY Kim acompanhou Ivanka Trump, filha do presidente misógino milionário, numa viagem de negócios à Arábia Saudita, aliada histórica dos EUA. Essa visita permitiu à monarquia saudita, ultra-reaccionária e permanentemente espezinhadora dos direitos das mulheres, pavonear uma imagem progressista, graças a uma promessa de donativos em proveito do Women Entrepeneurs Fund. Claro está que o objectivo desse fundo, lançado sob a égide de Ivanka Trump, JY Kim e Justin Trudeau, é participar na acumulação de capital ao nível global, com a desculpa de fazer progredir a emancipação das mulheres.
Contrariamente ao retrato lisonjeiro que alguns lhe pintam, JY Kim em nada contribuiu para a reforma do Banco Mundial, que sempre defendeu os interesses do capital e dos países mais ricos e poderosos (com os EUA, Canadá, Europa Ocidental e Japão à cabeça), à custa dos direitos humanos e da preservação do planeta.
Por ocasião da renúncia de JY Kim e relativamente à política destrutiva sistematicamente aplicada pelo Banco Mundial desde 1946, a rede internacional do CADTM:
– denuncia a influência dos EUA, dos seus aliados e do grande capital no seio dessa instituição;
– denuncia a fraca representação das posições dos países ditos «do Sul» nas tomadas de decisão;
– recorda que o Banco Mundial é um actor principal dos problemas políticos e económicos atravessados pelos povos de todo o mundo, nomeadamente quanto à imposição e aprofundamento:
da preponderância dos mercados financeiros e das grandes empresas privadas industriais, do agronegócio e do comércio;
dos programas Doing Business, responsável pela precarização do trabalho, e Enabling Business of Agriculture, que apadrinha os agronegócios e é co-responsável pelas emissões de gases com efeito de estufa e por arrastar os camponeses e camponesas para uma espiral de endividamento insustentável [9] ;
das políticas especulativas e do açambarcamento de terras e de água, cujas primeiras vítimas são as populações do Sul;
das políticas de microcrédito, que impõem o fardo da dívida insustentável às mulheres e às populações do Sul;
dos planos de ajustamento estrutural, sob essa denominação ou outra qualquer, ontem como hoje;
– denuncia que apesar de estar sob o alçada dos tribunais, em virtude da Convenção das Nações Unidas de 1947 e seus anexos, o Banco Mundial coloca-se acima das leis e dos povos, ousando nunca assumir as suas responsabilidades perante as instâncias da justiça competentes, [10] apesar de ser constantemente acusado de corrupção, falsificação de dados, negação dos direitos humanos fundamentais e outros comportamentos inadmissíveis;
– afirma que em consequência o Banco Mundial não pode em caso algum ser um aliado dos povos de todo o mundo face aos desafios climáticos, sociais, políticos e económicos que eles têm de enfrentar.
Por isso a rede do CADTM Internacional apela ao reforço das acções e mobilizações com vista a:
romper todos os acordos com o Banco Mundial e, de forma ainda mais lata, com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Organização Mundial do Comércio (OMC), três organizações que trabalham em conluio;
substituir essas organizações por organizações democráticas que recusem a procura do lucro e deem prioridade à satisfação dos direitos humanos fundamentais e à solidariedade nos domínios do financiamento para o desenvolvimento, o crédito e o comércio internacional;
construir uma frente unida dos países do Sul contra o reembolso das dívidas ilegítimas;
aprofundar esse ímpeto, saindo do sistema capitalista – assente na procura do lucro, no crescimento a todo o custo, no individualismo e na destruição dos seres vivos e da natureza –, a fim de construir uma sociedade onde as necessidades sociais e ambientais estejam no cerne das escolhas políticas.
A rede do CADTM Internacional, 11 Janeiro 2019
Tradução: Rui Viana Pereira
Notas
[1] Ver Mihir Sharma, «Is It Time to Give Up on the World Bank?», Bloomberg Opinion, 8 Janeiro 2019, https://www.bloomberg.com/opinion/articles/2019-01-08/world-bank-s-jim-yong-kim-had-good-reason-to-resign
[2] Ver entre outros Éric Toussaint, Banque mondiale, le coup d’Etat permanent, p. 80.
[3] Ver nomeadamente Éric Toussaint, Banque mondiale, le coup d’Etat permanent, cap. 5.
[4] Ver o comunicado de 24 Abril 2018 do Banco Mundial, «Groupe de la Banque mondiale: les actionnaires approuvent un programme d’augmentation et de réforme du capital porteur de profonds changements», https://www.banquemondiale.org/fr/news/press-release/2018/04/21/world-bank-group-shareholders-endorse-transformative-capital-package
[5] Esta escolha é tanto mais discutível, quanto ao mesmo tempo o Banco Mundial e o FMI manifestaram oficialmente o receio de uma nova crise da dívida nos países do Sul, em consequência da grande exposição das suas dívidas externas aos mercados financeiros …
[6] Ver nomeadamente Nicolas Sersiron, «Banque de l’ombre et titrisation, le cynisme des financiers pour les pays pauvres!», 23 Outubro 2018: http://www.cadtm.org/Banque-de-l-ombre-et-titrisation-le-cynisme-des-financiers-pour-les-pays
[7] Ver entre outros Eric Toussaint, «The Support of the World Bank to Forced Displacement», 18 Abril 2015: