Quando não é explicitamente machista e abusiva ao tratar as mulheres, a grande mídia é silenciosa e desinteressada por suas lutas, mesmo quando são lutas cotidianas de vida ou morte. A situação das mulheres massacradas na República Democrática do Congo (RDC), por exemplo, em uma guerra que não cessa para elas, é invisibilizada pela mídia internacional. Como quebrar o silêncio e forçar a atenção do mundo para os estragos produzidos naquela região da África por interesses exploratórios e coloniais?
Na França, a xenofobia ajuda a criminalizar as mulheres, principalmente as imigrantes, e se reproduz no cotidiano da imprensa. A mídia livre tem missão ativista e educativa, e trava uma longa batalha para se impor como alternativa aos grandes meios de comunicação entre as lutas sociais.
No Brasil, a violência doméstica é tolerada e alimentada pelo reafirmação cotidiana da mulher enquanto objeto. A exploração do corpo feminino, a hipererotização e a discriminação das fontes feministas em diferentes espaços roubam o direito das mulheres ao protagonismo na vida social e política.
Em qualquer dos cenários, os direitos das mulheres são secundarizados na abordagem da mídia e isso se reflete também no modo como as lutas das mulheres são vistas pelos movimentos sociais.
Não é fácil enfrentar isoladamente os poderosos meios de comunicação, que atendem a interesses financeiros e reproduzem culturas patriarcais e misóginas, as quais nem mesmo as populações que lutam por outros direitos estão livres de reforçar.
Encontrar denominadores comuns que fortaleçam a ocupação e transformação da mídia pela mulheres, desde a comunicação própria pelas mídias alternativas à crítica e resistência ao poderio concentrado dos grandes meios, é uma necessidade reconhecida pelas ativistas do Fórum Mundial de Mídia Livre (FMML). É preciso também sensibilizar movimentos sociais para estratégias de resistência comuns, que não reproduzam machismo, racismo ou sexismo na relações internas, e que lutem contra esses ingredientes das sociedades patriarcais. São diálogos e confrontações que as mulheres do FMML procuram estabelecer no universo do Fórum Social Mundial (FSM), onde se traçam caminhos para um outro mundo possível.
A Rede Mulher e Mídia (RMM), que articula ativistas, pesquisadoras e profissionais brasileiras de imprensa pelo direito à comunicação, participará do próximo e quinto FMML (7-14 de agosto), em uma atividade que integrará também a programação do FSM 2016 (9-14 de agosto), em Montreal, para debater esse dilema que unifica todas as mulheres que procuram virar o jogo da mídia que as discrimina.
O que fazer de modo internacional?
Organizada pelas organizações Ritimo, da França, e da Ciranda de Comunicação Compartilhada, do Brasil, a mesa terá como tema o direito à comunicação e à informação como alavanca para as lutas e resistências das mulheres.
A brasileira residente na França Erica Campelo, da organização Ritimo, e uma das facilitadoras do processo do FMML, explica que a mesa terá um duplo objetivo: abordar o direito à comunicação nas lutas e movimentos de resistência das mulheres e colocar em contato pessoas e redes que trabalham com esse tema.
Da República Democrática do Congo, participará a ativista Julienne Lusenge, que levará para os dois fóruns a luta da organização Sofepadi, de modo a dar visibilidade à violência naturalizada contra as mulheres em seu país. Não há qualquer proteção às congolesas, em casa ou nas ruas, contra a violência sexual, incorporada ao cotidiano, conforme mostra matéria feita pela jornalista Eliane Gonçalves para a Ciranda , em visita ao país africano em 2015.
A RMM será representada pela jornalista Bia Barbosa, do Coletivo Intervozes, que também integra o grupo facilitador do FMML. Há muito a dizer sobre o tratamento dado às mulheres pela imprensa brasileira; historicamente, o papel da Rede Mulher e Mídia consiste na denúncia de abusos e o envolvimento feminista nas lutas da comunicação. Bia também deve tratar do momento atual em que os meios de comunicação colaboram para o processo de impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff, impulsionado por setores conservadores e em grande parte sexistas e misóginos.
A mesa será realizada na Université McGill, Pavillon Birks (Local 105), 3520, rue University Montréal, QC, Canadá, das 9h às 11h30, no horário local. Ainda está por confirmar a transmissão por internet. A atividade, porém, será gravada e disponibilizada pelo site do FMML e entidades participantes.