Um dos fundadores do movimento Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS) contra Israel, o médico e deputado palestino Mustafa Barghouti acredita que é por meio do crescente isolamento internacional do sionismo, conjugado com a asfixia econômica das suas empresas, que seu país será livre. Na prática, algo semelhante ao que aconteceu na derrubada do apartheid na África do Sul.
Em reunião com a missão de solidariedade brasileira à Palestina, nesta quarta-feira, Barghouti condenou a política de terrorismo de Estado adotada pelos sionistas e sublinhou a relevância de iniciativas que deem maior visibilidade à realidade da agressão.
“Hoje temos a Cisjordânia dividida em áreas A, B e C. Na A, que compreende cerca de17%, supostamente a Autoridade Nacional Palestina teria controle total. Mas desde 2002, Israel passou a invadir, não existindo qualquer autonomia. Na B, equivalente a 20%, onde haveria o controle administrativo palestino e militar israelense são 225 ilhas, atravessadas por assentamentos e todo tipo de restrições. E na área C, que corresponde a 60% da Cisjordânia, Israel tem controle total, a Palestina não tem autoridade civil muito menos militar. Esta lógica serve apenas para a extensão dos assentamentos, a partir da fragmentação do território palestino”, declarou Barghoti.
Como se isso não bastasse, sublinhou o líder palestino, “Israel mantém 120 assentamentos ilegais” e “bases militares as quais ninguém tem acesso”, “além do muro da segregação, com 850 quilômetros, três vezes mais longo e duas vezes mais alto que o muro de Berlim”. Segundo Barghouti, o racismo fica evidenciado nas “estradas da segregação”, uma malha rodoviária exclusiva para os colonos – dentro do território palestino – nas quais os palestinos não podem circular, sob pena de seis meses de prisão. Para complicar ainda mais o trajeto dos não-israelenses, abundam os check points (mais de 500 fixos e outro tanto em pontos surpresa. Sentimos na pele o que isso significa ao não poder entrar em Ramalah, sendo obrigados a trocar um trajeto de cinco minutos por um outro de 45 minutos.
Os exemplos, infelizmente, são abundantes: “enquanto os palestinos consomem 50 metros cúbicos de água por mês, os israelenses consomem 2400 metros cúbicos de água por mês, 48 vezes mais! Enquanto o PIB per capita em Israel é de US$ 34 mil, na Palestina é de US$ 1.400 e em Gaza de apenas US$ 800. Além disso, os palestinos têm de pagar o dobro do preço pela água e pela eletricidade”.
O inferno de Gaza
Pequeno território de 360 quilômetros quadrados e 1,8 milhão de habitantes, uma das áreas mais densamente povoadas do mundo, Gaza teve seu território atacado no ano passado por terra, mar e ar. “Na terceira semana da guerra de 51 dias Israel já havia utilizado todas as bombas que tinha no estoque. Tiveram de recorrer ao estoque norte-americano para manter a guerra em dia. E Obama aumentou de US$ 200 milhões para US$ 1 bilhão o seu estoque de armamentos”.
Mostrando várias fotos que ele próprio tirou em Gaza durante a agressão, Barghouti lembrou que bairros inteiros foram devastados, “numa destruição sem precedentes”. “91 famílias desapareceram por completo, pai, avô, neto, bisneto, todas as gerações eliminadas”. Foram 2.273 mortos, 83% civis, 580 crianças, 271 mulheres, 101 idosos e mais de 11 mil feridos. “Isso equivaleria nos Estados Unidos a 400 mil mortes e a um milhão novecentos e trinta e quatro mil feridos”, ressaltou.
O uso por Israel de bombas de fragmentação condenadas pela ONU, jogadas a partir de tonéis, também serviu para amplificar o alcance dos mortos e a gravidade dos ferimentos. “Houve um caso de uma mulher refugiada que estava dentro da escola da ONU. Ouviu o barulho e tocou no filho que dormia a seu lado, quando percebeu que ele estava sem cabeça”, disse.
Para ter ideia do crime de guerra praticado, frisou, “no total, Israel utilizou 21 mil toneladas de explosivos, o equivalente a duas bombas nucleares ou a destruição de cinco Hiroshimas”.
Na avaliação de Barghouti, “a luta de resistência popular se .fortalece com o BDS” ao mesmo tempo em que estimula a unidade interna para ajudar as pessoas a permanecerem na terra – a fim de que não sejam apropriadas indevidamente pelo Estado sionista. “Temos claro que a Palestina não pode resistir sozinha e que países como o Brasil, a África do Sul e Índia são importantes. Não podemos aceitar que se fechem acordos de livre comércio com Israel, pois isso significa financiar a ocupação”, concluiu.
Vigiar e punir
Em encontro na embaixada do Brasil no Estado da Palestina, a CUT e as demais organizações que compõem a missão humanitária brasileira em apoio à Palestina cobraram uma resposta sobre o desrespeito de Israel ao barrar dois membros na fronteira com a Cisjordânia.
Situação que torna-se ainda mais grave por conta do apoio formal do Itamaraty a essa missão e das negociações previamente acertadas com o governo israelense.
Do embaixador Paulo França ouviu que o órgão federal está ciente da situação constrangedora e acredita que o momento exige uma discussão ampla do Estado brasileiro sobre essa questão.
“A frustração e o desapontamento são muito grandes porque nós nos articulamos com a embaixada em Tel Aviv, que fez todos os trâmites no sentido de que a missão passasse e, certamente, faremos uma reclamação sobre isso”, disse.
Segundo o Portal da CUT apurou, a postura arrogante de Israel atinge até mesmo os embaixadores, que muitas vezes são notificados com negativas às vésperas de visitas a Gaza. E em muitos casos não conseguem sequer a liberação dos motoristas para entrarem na região.