O grupo do FSM Brasil na Missão à Gaza estava entrando na Cisjordânia quando chegou a notícia de mais uma atrocidade do Estado Islâmico, desta vez contra o Campo de Yarmouk, na Síria, onde vivem famílias palestinas refugiadas desde que foram expulsas de suas casas para a criação do Estado de Israel. O campo tem 60 anos, já têve 170 mil habitantes, hoje bem menos devido aos conflitos internos no país entre o regime de Bashar Al-Assad e os rebeldes que querem derrubá-lo. Há dois anos, o campo é cercado militarmente pelo governo, por abrigar rebeldes. E agora, foi tomado pelo Estado Islâmico, levando a população local a uma situação desesperadora, sem água, comida ou acesso a medicamentos.
Nos últimos dias, as notícias são confusas porque é difícil ter informações de lá. A ONU tenta entrar no Campo para levar ajuda humanitária e retirar 18 mil pessoas, entre elas 3.500 crianças, que estariam isoladas pelo Estado Islâmico. Mas quem pode assegurar segurança à ONU para levar segurança ao Campo Yarmouk? O regime sírio está ocupado em proteger Damasco, porque o campo sob controle do Estado Islâmico está muito perto da capital. Enquanto isso, os rebeldes do campo resistem à ocupação de quase 90% do campo pelo EIL, e podem ter conseguido retomar metade do território nos últimos dois dias.
Mas porque os refugiados de Yarmouk são até hoje refugiados? De acordo com a definição oficial das Nações Unidas são refugiados palestinos os que viviam há pelo menos dois anos na Palestina quando foram expulsos por Israel, em 1948. São os sobreviventes da Nakba, ou a catástrofe, como os palestinos chamam a autoproclamação do Estado judeu. Os desalojados passaram a pedir registro de sua condição à ONU e a viver em campos na Siria, no Líbano, na Jordânia e também em áreas da Palestina distantes de suas casas confiscadas, a Cisjordânia e a Faixa de Gaza.
A ONU se ocupou da primeira geração, que em 1950 não chegava a um milhão de pessoas. Mas já na quarta ou quinta geração, o número quintuplicou, sem que as famílias nos campos, ou aquelas que migraram para países como o Brasil, e que carregam consigo os laços e a cultura palestina, possam dar aos descendentes um documento de nacionalidade como tal.
É o caso da brasileira Soraya Misleh, filha de palestinos, que busca junto à Autoridade Nacional Palestina o seu registro de identidade. Mas a ANP nada pode fazer, porque os Acordos de Oslo deram à Israel a atribuição de registrar e fornecer documento de identidade aos palestinos. E Israel não tem interesse em reconhecer palestinos ou descendentes de famílias expulsas na sua criação.
Por isso, possivelmente, Soraya Misleh foi um das pessoas barradas por Israel quando a Missão do FSM se dirigia de Aman à Cisjordânia, para levar ajuda humanitária aos palestinos refugiados em seu próprio país. Detida na fronteira, Soraya foi visitar o Campo da Jordânia, onde encontrou famílias palestinas que se mantém unidas pela convicção de seu direito de retorno. Ela também conversou com velhos moradores, da primeira geração de refugiados, cujas memórias e histórias são referências quase sagradas de uma nacionalidade negada para as gerações seguintes.
Longe de lá, mas unidos pela mesma determinação de voltar à Palestina, estão os refugiados de Yarmouk, cercados por forças militares, atacados pelo EIL, em áreas onde nem a ONU consegue entrar para resgatar as famílias isoladas.
Resgatar e levar para onde? Refugiados são pessoas que não podem voltar a seu país de origem devido ao risco de morrerem ou sofrerem violência e arbitrariedades por parte dos governos autoritários e forças fundamentalistas no poder. A pergunta que precisaria ser respondida pela comunidade internacional é bem simples: ṕorque os refugiados palestinos não podem voltar para a Palestina?