A missão seguiu para o encontro com o representante do Brasil para o Estado Palestino, Paulo França, cobrando posicionamento do governo contra o tratamento dado aos dois integrantes do grupo que têm nomes árabes. Além de insistir no direito de entrada de Soraya e Mohamed, o grupo quis saber do embaixador quais os caminhos para formalizar o pedido de reciprocidade dos serviços de imigração brasileira ao receber turistas munidos de passaportes israelenses. Os integrantes também questionaram os motivos pelos quais o país continua comprando tecnologias de vigilância e treinamento militar que, antes, são testados contra a população palestina, como se vê cotidianamente a cada check-point. E lamentaram que produtos obtidos ilegalmente nos assentamentos israelenses, como os cosméticos fabricados com a lama do Mar Morto, sejam comercializados nos acordos do Mercosul.
Todas as preocupações do grupo foram registradas pela representação, que iniciou tratativas com a embaixada do Brasil em Telaviv e o Itamaraty sobre os dois integrantes do grupo deixados na fronteira. Infelizmente, ficou claro que não há qualquer transparência em torno das decisões do governo de Israel e nenhum respeito pela presença brasileira.
Encontro com representante brasileiro na Cisjordânia / Foto: Lúcia Rodrigues
Chegar a Gaza segue sendo o objetivo da missão formada agora por 14 brasileiros(as), apesar dos argumentos israelenses para negar acesso ao território de 360 km2 e 1,8 milhões de habitantes, onde nada entra ou sai sem que as forças de ocupação autorize. Isso inclui alimentos, medicamentos, materiais de construção e, especialmente, ajuda humanitária. De acordo com Israel, o período de Páscoa judaica (Pessah) não é adequado a essa visitação. Não explica porém porque um país judeu pode decidir quem visita ou não a Palestina.
Essa intromissão das forças ocupantes foi testemunhada durante todo percurso feito pelo grupo na visita ao Vale do Jordão. A região era tradicionamente conhecida como a Cesta de Frutas da Palestina, pela fertilidade e disponibilidade de água para irrigação e consumo. Mas isso mudou a partir dos acordos de Oslo, que retalharam a Cisjordânia em três diferentes áreas de controle. A área A, em tese, sob controle e administração palestina, distribuida em centenas de pequenos territórios, é livremente acessada pelas forças de ocupação. A área B, sobre administração palestina e controle militar israelense. E a área C, totalmente controlada e coalhada de assentamentos ilegais israelenses, que avançam a cada minuto sobre as terras palestinas.
Foi esse avanço que a delegação testemunhou ao visitar a comunidade … Ao contrário da área de fazendas instaladas por Israel, autorizadas a perfurar o solo até o acesso a água potável, os fazendeiros palestinos não podem ultrapassar os 150 metros de profundidade, onde o líquido ainda é salobro. Isso obriga a buscar água nas montanhas, misturar em partes, para utilizar no plantio de laranja e produtos agrícolas de primeira necessidade. `O sofrimento cotidiano é conhecido da comunidade internacional, considerado crime pelos tratados de direito, e no entanto tolerado.
Mais do que isso, países como o Brasil fazem negócios com as mesmas companhias que exploram e direcionam a água para os colonos e dificultam o acesso aos palestinos. Essas empresas estiveram em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, nos dias 24 a 27 de março, para ajudar a prover soluções para a falta de água, considerando que estados próximos podem dispor da água que o governo paulista deseja captar para suas necessidades.
A população brasileira é muito pouco informada sobre as implicações dos negócios feitos com Israel, mas os moradores da pequena Faysail sabem que estão sendo feitos. Um dos interlocutores da vila com a missão brasileira diz lamentar que o Brasil esteja enviando militares para treinamento em Israel, aprendendo a reprimir do mesmo modo que é feito com os palestinos, e além disso comprando tecnologia e armamentos militares. O pedido que enviam à população brasileira é que suas organizações e movimentos sociais façam adesão à campanha BDS, de boicote, desenvolvimento e sanções a Israel, até que a ocupação termine. A campanha repete a estratégia utilizada para por fim ao sistema de apartheid na Africa do Sul.
A engenhoca que fabrica blocos para reconstrução da vila / Foto: Gal Souza
Última comunidade a resistir em uma imensa área de fazendas ilegais no Vale do Jordão, os moradores de Faisayl já foram surpreendidos mais de uma vez por forças do exército que exigiram a retirada das famílias e demoliram casas e escola. Mas a comunidade decidiu ficar e passou a erguer instalações com paredes de barro, já que a chegada de materiais de construção é proibida. O primeiro prédio construído provisoriamente foi uma escola que, pela fragilidade dos materiais e tecnologia empregada, acabou ruindo – felizmente em momento em que o lugar estava desocupado. A partir daí, os moradores passaram a aperfeiçoar suas técnicas e conseguiram construir uma engenhoca de metal e prensas de madeira, com motor abastecido com óleo , e na qual são fabricados tijolos de terra, pedras, palha e água, com boa resistência. Casas e escola foram reconstruídas e a comunidade resiste.
Não há recurso, nem financiamento, nem permissões necessárias. Na estrada mal conservada que conduz ao vilarejo, uma placa em inglês e hebraico comunica: acesso a uma comunidade palestina, perigo para israelenses.
Tudo aliás indica com clara sinalização quem são e onde estão os palestinos. Enquanto israelenses recebem água encanada, inclusive nos assentamentos, os palestinos devem comprar e abastecer caixas d’água de cor preta colocadas sobre casas e prédios. Ao longe é possível enxergar os prédios palestinos, de ondem despontam os reservatórios feito brotoejas pretas nos telhados.
Moradias palestinas têm caixas d’água na cor preta para identifica-los. Eles recebem água de duas a três vezes por semana, enquanto israelenses têm abastecimento 24 horas por dia. /Foto: Lúcia Rodrigues
Ao final do dia, uma apresentação chocante do que se passou em Gaza durante os ataques de Israel em 2014 foi feita ao grupo por uma das principais lideranças do país, Mustafá Barghouth, da Iniciativa Nacional Palestina, que esteve pessoalmente nas áreas devastadas documentando o massacre e ouvindo a população. Cenas impressionantes do bombardeio deixaram clara a intenção de aniquilamento da população de Gaza.
Israel utilizou, na terceira semana de ataques, todos os seus estoques de bombas e armamentos, equivalendo a quatro vezes a potência da bomba que explodiu em Hiroshima durante a segunda guerra mundial. Durante os ataques, ambulâncias que acorriam para socorrer pessoas feridas também foram transformadas em alvos diretos, liquidando as equipes médicas e de socorro às vítimas. Em lugar de condenar os ataques, só conhecidos devido ao uso de aparelhos celulares e redes sociais pela população de Gaza, o governo dos Estados Unidos decidiu repor os estoques israelenses em cinco vezes mais volumes do que o existente até então. De 200 milhões de dólares a ajuda em armamentos passou, de um dia para outro, a 1 bilhão de dólares convertidos em bombas despejadas sobre o povo palestino.
Missão Gaza, 2 de Abril de 2015
(Foto da capa: Gal Souza)