“Tornei-me um apátrida por denunciar a ditadura do meu país”

Quem vê a tranquilidade no olhar e no tom de voz do elegante homem negro não imagina a contundência com que trava uma batalha diária pela democracia e a liberdade de expressão. O jornalista e blogueiro Makaila N’Guebla, pena combatente e independente, como diz a descrição do seu blog (http://makaila.over-blog.com) paga com a própria vida, em sua condição de exilado político, pelas bandeiras democráticas que defende.

Makaila nasceu no Chade, país islâmico-cristão do centro-norte da África, que lidera rankings que não são motivo de nenhum orgulho: um dos mais pobres e com maior índice de corrupção do mundo. O poder está centralizado nas mãos do presidente Idriss Déby, o mesmo desde 1990. Por denunciar as violações de direitos humanos em seu país, Makaila N’Guebla vive exilado na França.

Desde o Fórum Social Mundial de 2011, em Dakar, onde morava, ele participa das articulações internacionais em defesa da liberdade de expressão. Hoje (25), ele comoveu e mobilizou participantes do Fórum Mundial de Mídia Livre (FMML), em Túnis, com sua história. O jornalista conversou com a equipe da cobertura colaborativa do FMML sobre as perseguições sofridas pela ditadura de Déby e a situação política do Chade.


P: Você poderia falar um pouco sobre o contexto político do seu país?

R: A situação no meu país é muito grave, porque já faz 25 anos que o presidente, Idriss Déby, está no poder e não temos eleições livres e transparentes. A democracia não existe, e os jornalistas são frequentemente detidos, torturados e expulsos do país. As Forças Armadas estão nas ruas, efetuam prisões de civis, e a oposição não existe. Então os estrangeiros, a população africana e a população internacional não sabem o que acontece no nosso país, porque não há democracia. Cada vez que se fazem eleições, o presidente se reelege com uma porcentagem entre 84% e 89% dos votos, e entendemos que essa situação acontece porque não temos direito à democracia. Eu fui à Comissão de Desenvolvimento Regional do Parlamento Europeu, em Bruxelas, em 2013, para chamar atenção sobre o que se passa no Chade.


P: E por que você decidiu criar um blog?

R: Eu criei o blog em 2007, no Senegal. Eu já trabalhava como jornalista numa rádio e não podia voltar ao meu país. Eu criei o blog porque os jornalistas da impressa não podem se expressar, há coisas que eles não podem dizer, então passei a divulgar informações a partir do Senegal. Então, por exemplo, publiquei no blog um vídeo, enviado por amigos do Chade, da família do presidente Déby jogando dinheiro para a população. Esse vídeo foi exibido no Canal 24, uma TV pública francesa. A pessoa que enviou o vídeo não foi detida, porque fui eu que o coloquei no ar, do exterior. Por conta disso, o governo de Chade pediu minha extradição, o que o Senegal se negou a fazer, mas me enviou, detido, para a Guiné, onde passei dois meses antes de ir para a França. Os blogueiros, os ativistas, os jornalistas, a sociedade civil internacional fizeram uma mobilização muito grande, no Senegal, na França e na Espanha, para me defender. Eu não tinha passaporte, tornei-me um apátrida até a França me oferecer exílio. Agora lá eu trabalho como jornalista e também continuo com o blog. Hoje sou sustentado financeiramente pelo governo francês, como refugiado político.

P: Qual o impacto social que uma Carta Mundial de Mídia Livre [documento com princípios e ações para uma mídia democrática] e toda essa articulação internacional têm para a defesa da liberdade de expressão?

R: É fundamental porque, do mesmo jeito que temos a Carta Mundial dos Imigrantes, a Carta de Mídia Livre [debatida nos últimos dois anos, será apresentada no Fórum Mundial de Mídia Livre no próximo sábado] pode ser um marco político para jornalistas, blogueiros e ativistas da liberdade de expressão. A Carta nos permite trabalhar juntos, países africanos, árabes, europeus e países como o Brasil, que tem uma forte mobilização. Eu compreendo que esse documento pode ser um instrumento para responsabilizar instâncias internacionais pela defesa da liberdade de expressão, como a Unesco [Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura], para onde levei a proposta de carta no Dia Internacional da Liberdade de Imprensa [03 de maio].

Por Mônica Mourão, jornalista e integrante do Coletivo Intervozes, e Pedro Vilela, jornalista e secretário-executivo do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC). Colaborou Bia Barbosa, jornalista, integrante do Coletivo Intervozes e da comissão organizadora do FMML

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