Mujica: um presidente que não se enquadra em estereótipos

Com seu jeito despachado, que foge do ‘modelo engravatado’, Mujica vive com sua esposa Lucía Topolansky em sua propriedade rural, onde fica sua casa de 45 metros quadrados, com 10% do seu salário como estadista. O restante doa a organizações não-governamentais. Em vez de utilizar veículos sofisticados, é visto circulando com seu antigo fusca e mantém esse perfil de agricultor familiar. Esse comportamento o difere da maioria de seus colegas nas Américas e causa admiração. O presidente uruguaio tem uma visão muito taxativa quanto aos gargalos do chamado desenvolvimento sustentável.

Em seu discurso, durante a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), em 2012, falou sobre questões básicas como o consumo exacerbado versus a qualidade de vida no planeta e a falha política de o mundo ser governado pelo mercado (http://youtu.be/SAZ1caLcT1Q). “Quando lutamos pelo meio ambiente, devemos lembrar queo primeiro elemento do meio ambiente se chama felicidade humana”, disse no encerramento de sua fala.

Esse estadista e cidadão que expõe posições convictas sobre a desigualdade, registra em seu histórico , um passado como militante de ‘esquerda’ e de ex-guerrilheiro tupamaro. Nos anos 70 e 80 combateu a Ditadura Militar em seu país e chegou a atos extremos, como assaltar bancos e participar de seqüestros. Ficou preso por 14 anos, sendo 10 em uma cela solitária, até ser libertado em 1985. Mas com certeza, a sua personalidade diferenciada é responsável por suas atitudes, tendo em vista, que tantos outros militantes também de esquerda que estão no poder, não agem como ele, no tocante à sua leitura de mundo e de liderança.

Sua postura com relação aos povos originários é vibrante, e sensibiliza aos seus simpatizantes, ao se nutrir de ações que toma como presidente e cidadão diariamente. Em setembro do ano passado, o seu discurso na ONU (http://youtu.be/Sm181tTR2OM), mais uma vez ganhou repercussão, por não ter meios termos e ser transparente sobre os antagonismos geopolíticos no mundo, que impõem tratamentos desiguais entre as nações.

As suas decisões como estadista também estão longe de serem consensuais e, de certa forma, são arrojadas. Legalizou o aborto no Uruguai, visando que as mulheres antes de tomar a decisão, possam ter o amparo psicológico para fazer a escolha, além do casamento gay. A sua mais recente tomada de decisão foi quanto à legalização do plantio e venda da maconha no Uruguai (sob regulação do Estado), que já enfrenta a rejeição por parte da oposição e causa dúvidas, quanto ao combate ao narcotráfico, e reações, inclusive, na Organização das Nações Unidas (ONU). Segundo a Convenção Única sobre Entorpecentes, que vigora desde 1961, a utilização da cannabis é liberada apenas para fins medicinais e científicos. Mujica argumenta que sua atitude visa justamente a apoiar o combate ao narcotráfico, tirando o motivo econômico dos cartéis.

No MERCOSUL, é interessante observar que tipos de transformações ele pode suscitar nas relações políticas, econômicas e sociais no grupo. Já está tramitando seu projeto presidencial no parlamento uruguaio, desde o final de janeiro, que concede residência permanente uruguaia a todos os cidadãos dos países do bloco, tendo como única exigência: a confirmação da nacionalidade procedente. A medida é mais ampla, porque beneficia cônjuges, concubinos, pais, irmãos e netos de uruguaios, que moram hoje em outros locais do mundo.

Ao mesmo tempo, Mujica, em seus discursos, combate o consumismo e a obsolescência programada, e reconhece as falhas da globalização, sendo um defensor de uma visão política na região, mais latino-americana. Agora, é esperar para ver como isso se traduzirá na prática, tendo em vista, que o presidente uruguaio critica as falhas institucionais que inviabilizam, em muitos temas, a constituição de um bloco. O país também enfrenta seus dilemas quanto ao seu papel na sociedade de consumo, ao ser um grande exportador, desde a área de agricultura e pecuária a produtos industrializados do petróleo; e tendo até dados de 2012, segundo o governo, 12,4% de sua população na linha da pobreza.

*Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk

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