Ninjas x barões: pelos 20 centavos da comunicação

Nas redes, mal havia terminado o 1º Grande Ato Contra o Monopólio da Mídia, em São Paulo, e militantes já articulavam novas ofensivas. E que seja só o começo de fato. Precisaremos de toda energia possível para efetuar a mudança.

Penso duas vezes antes de pontuar a frase anterior. Uma interrogação vem junto quando me lembro do histórico de militância das dezenas de pessoas que conheci nos últimos 13 anos, desde quando imergi ao ‘submundo’ da imprensa alternativa, encarada hoje por muitos (muitos mesmo) como “a única via”. Foi um longo percurso até chegar à Marginal Pinheiro na quinta-feira (11), à noite. E a batalha por mais ética e democracia na comunicação está apenas começando.

É difícil convergir em um ponto comum, quando há tanto a se conquistar ainda. Muito provavelmente está aí a resposta para os que preferem adotar causas únicas. Nada contra, pelo contrário. Vamos ponto a ponto, em efeito dominó.

Mas, sob outros tantos aspectos, reunir gente em torno do tema também enfrenta outras barreiras. É difícil um comunicador que esteja a serviço dos oligopólios assumir a briga. Temos receio de todo um mercado de trabalho se fechando para nós. Esse sentimento não torna alguns mais fortes e outros mais fracos. É sobrevivência. Por isso, mantenho o respeito e a admiração por amigos que cultivei em redações e que lá se mantêm.

foto003.jpgFotos: Deborah Moreira

Só quem nunca trabalhou numa redação grande não entende o que é esse bichinho que morde a gente e nos faz fazer coisas frenéticas como ligar dezenas de vezes para uma mesma fonte para extrair o lide; trabalhar 10, 12, 14 horas seguidas e ainda sair feliz por ter dado o máximo de si. Quando se está lá dentro, a visão é outra. Por mais que saibamos pra quem estamos trabalhando, e o porquê, passamos dia após dia preenchendo calhaus, a vida segue, as horas passam, e você só consegue enxergar um sem números de pautas sobre sua cabeça. E você ainda pensa: vou mudar algo fazendo essa matéria, melhorar a vida de pessoas, quero contar o que sei e da melhor maneira possível. Sei que não é o caso de todos. Há quem esteja lá dentro pela diversão. O que também é válido. “Diversão e arte. A gente quer saída para qualquer parte…”. Há os pulhas, os assumidamente maus-caracteres, antiéticos. Por fim, os que passam a maior parte de seu tempo de sobra fazendo somas pra ver se as contas fecham no fim do mês. Mas todos sabem que existe um longo caminho entre o que “eu quero contar” e o que “eu posso contar”. E é no meio desse caminho que se dividem as opiniões.

Por isso, entendo o silêncio, só não a apatia. Criticar o governo é uma das práticas mais saudáveis que conquistamos no pós-regime militar. Não é possível compactuar com tudo. É da natureza humana divergir. Mas, é na sombra desse argumento que se escondem as intenções do oligopólio midiático. Alegam imparcialidade, isenção e pluralismo. Mas onde está a pluralidade? Todos vendem o mesmo. Caça-palavras de frases repetidas, embaralhadas. A tradicional agenda setting em ação, talhada de forma cada vez mais conservadora.

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Enquanto estudantes, aprendemos sobre como nos programam com obviedades, fazendo a todos pensar exatamente em repertórios escolhidos por eles. Aqui fora, descobrimos que o mundo já está fatiado entre os que tudo tem, manda quem pode, obedece quem tem juízo. Orquestrações midiáticas tão coordenadas entre si, que dispensam regência, mas que agora estão sob a mira de uma parte da população que não aceita mais. Existe amor em SP, Rio, Porto Alegre, Salvador, Belo Horizonte e no interior do país, cidades inteiras também dominadas pela mídia local jabazeira.

Altamiro Borges, do Barão de Itararé, foi direto ao ponto: “A mídia tentou destacar que eram protestos sem partido, horizontais, contra o governo, só que deixou de falar que era contra a mídia, também. Em todos eles a maior palavra de ordem era ‘fora a globo’. Então, esta manifestação procura reunir esse sentimento difuso nesses protestos”.

felipe_cabral_ato_contra_globo.jpgfoto: Felipe Cabral

Depois de junho, nada mais está sendo como antes. Com a onda de protestos de rua vieram as ocupações nas casas legislativas. E, no meio de tudo, a comunicação usada como arma. Será uma longa batalha, ainda, mas, agora, somos cada vez mais “todos mídia”, com a Mídia Ninja (pós TV) televisionando tudo: ninjas x barões da mídia.

“A pauta da mídia é de todos. Agora que a gente construiu essa cultura de mobilização popular e pressão direta, sai debaixo”, decreta a estudante Mayara Vivian, do Movimento Passe Livre. “Com todo respeito, antes de tomar um pau da policia, a imprensa só chamava a gente de vagabundo, baderneiro, esquizofrênico. Foi preciso a população ter dito que aprovava as manifestações mesmo com baderna que os caras tentaram se apropriar da pauta. Então a gente não pode se iludir, mesmo que a TV cubra, faz somente o dever deles. Pior, sempre sob a ótica da burguesia e criminalizando os movimentos sociais. Para além das questões das concessões, penso que todo movimento social tem que apoiar essa luta”, argumenta.

Ação direta

Durante toda a manifestação, carregaram cartazes e faixas, uma delas, a da Marcha Mundial de Mulheres, pendurada em um viaduto dizia “Somos mulheres e não mercadoria”. Também entoavam palavras de ordem como “A verdade é dura, a Globo apoiou a ditadura” e, com uma bateria, cantavam paródias musicais como “Lá vou eu, Lá vou eu, hoje a luta é na Avenida” ou “Vai cair, vai cair, a rede globo vai cair”.

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Mas, saltou aos olhos os relógios digitais da Avenida Engenheiro Luís Carlos Berrini customizados com painéis estampando “ocupe a mídia”. Ações diretas feitas em todo o percurso. Também projeções que cravaram frases na parede lateral da emissora: “Globo mente”, “Globo sonega”. E mais: o rebatizado da Ponte Estaiada Octavio Frias de Oliveira para a Ponte Jornalista Vladimir Herzog, na Marginal Pinheiros, em frente à Globo. Momentos antes, dois bonecos simbolizando Fernando Collor e José Sarney foram queimados.

Um laser verde nas janelas do prédio global, que usa a ponte como cenário de seus telejornais, foi um dos mais presentes no ato. Sem pedir licença, foi ele quem invadiu os estúdios da emissora, chegando a cobrir o rosto do jornalista Carlos Tramontina, enquanto apresentava ao vivo o SPTV. Desta forma, foi obrigado a relatar o que estava ocorrendo aos telespectadores: “Um grupo de cerca de 400 pessoas fazem neste momento um protesto contra a TV Globo. Eles se reuniram em uma praça, na Zona Sul da cidade e caminham em direção a emissora. Os manifestantes pedem a democratização da mídia e a revisão nos contratos de concessões pública de TV. Eles gritam palavras de ordem contra a Globo. A manifestação é pacífica”. O número de pessoas na passeata dito pelo apresentador foi estimado pela polícia militar.

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Mais tarde, descobrimos quem estava em uma das pontas dos raios fluxos: o Tanq Rosa Choq, que levou sua cor para o “Amor Sim, Russomano Não” no dia 5 de outubro de 2012, na Praça Roosevelt, em São Paulo; e, depois, na Virada Cultura deste ano, lançou o raio em forma de escracho contra o cantor Lobão, enquanto se apresentava na Virada Cultural deste ano. O ‘vida bandida’ pagou o preço depois de ter lançado um certo manifesto da terra do nunca (ou algo assim) afirmando, entre outras coisas, que “os torturadores só arrancaram umas unhazinhas durante a ditadura militar”.

“Ajudei na ideia, articulação e viabilização. O que é interessante é ressaltar o conteúdo da manifestação pela democratização da comunicação. o TANQ_ Rosa Choq_ apoiou e disparou junto com o Ocupa a Mídia, grupo que articulou a intervenção à laser, a mudança do nome da Ponte Estaiada Vladimir Herzog, intervenção nos relógios publicitários com o Ocupa a Mídia e a projeção de vídeo, além da transmissão da Rádio Chiado”, contou Paulinho Fluxus, do Tanq, que, depois de falar ao Blog do Rovai, assumiu publicamente a obra (coletiva). “Declaro publicamente que essa ação de intervenção de laser tem a ver com a intervenção na cara do Lobão e que agora foi no Tramontina. Estamos querendo saber quem são as próximas figuras a intervir e ressignificar o verde dessa bandeira”.

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Metendo as caras, ou torcendo em silêncio por mudanças na regra do jogo, por dignidade e respeito nas redações e na casa do telespectador. Todos e todas estão convocados a esvaziar os coldres dos barões da mídia, desativar a grande bolha a qual estamos imersos, fazer circular as ideias do projeto de iniciativa popular para um novo marco legal da comunicação e levar a conhecimento público o que está por trás das negociatas.

“A gente tem um grande potencial nas redes para fazer grandes atos. Precisamos levar assembleias de comunicação para a periferia, levar as informações para quem ainda não sabe o que está por trás das telas, o que está em jogo. Precisamos fazer mais marchas bonitas como essa, porém, maiores”, anuncia o ativista Sergio Amadeu. Mobilizemos pelos 20 centavos da comunicação.

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