Mulheres e comunicação no FSM

O 3º FMML aconteceu nos dois dias anteriores ao início do FSM, reuniu comunicadores e militantes pelo direito à comunicação de vários países do mundo, com destaque para os africanos e árabes. Discutir a importância do compartilhamento do saber e da informação, para a construção de outro mundo possível e reunir ativistas da comunicação em redes, a partir do posicionamento das mulheres e de sua participação no processo do FSM.

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Aline, dos contadores do IMEL

Convidando-nos a compartilhar nossos sonhos, Aline e Chicó, do IMEL – Instituto Imersão Latina, conduziram de maneira poética, cantaram e contaram a história da comunicação humana e das mulheres, das estrelas até a construção do processo Fórum Social Mundial. “Como as estrelas que iluminam a escuridão da noite (…) as mulheres cantaram em cirandas que atravessaram o mundo, círculos e rodas de pessoas por anos e anos até chegar o ano de 2001… A ciranda foi crescendo, cada uma encontrando outras cirandas, outras mulheres, que publicavam notícias de longe…”.

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Nilton e Chicó (IMEL)

Um grande laboratório da mídia livre iniciava-se ali, como foi ludicamente contado, e andou pela Índia, pela Amazônia, pela América Latina, pela África, anda agora pelo mundo árabe. Outras origens, outras etnias, as rodas trocaram novas idéias, novas linguagens, o software livre. Além da Ciranda, encontramos a Minga, a AMARC, a Flamme D’Afrique… construímos o Fórum Mundial de Mídia Livre.

Compartilhando conhecimento e trabalhando cooperativamente para que as informações seguissem independentes e chegassem às pessoas, nós, da Ciranda, nos demos conta num momento de crise, em 2005, que eram mulheres a maioria das pessoas que estavam dispostas a sair daquele estado de coisas. Para Terezinha Vicente, feminista e colaboradora desta Ciranda, os valores do compartilhar conhecimento, estimular as estruturas horizontais e circulares, bases da comunicação que defendemos, são também princípios do feminismo. “As mulheres, desde sempre ligadas aos cuidados com a reprodução da vida e aos círculos da natureza, sabem que não adianta desrespeitar esses ciclos. Desde sempre as mulheres aprenderam também que compartilhar saberes, trocar informações, ajudar-se mutuamente era o caminho melhor”.

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Erika, da Ritimo e Terezinha, da Ciranda

Pena que vieram a Igreja Católica com sua misoginia e a “competência” de uma estrutura rigidamente hierarquizada e vertical, autoritária e discriminatória. Estrutura copiada por outros organismos surgidos com o Estado moderno e adequados ao princípio competitivo do capitalismo, como os sindicatos e partidos, majoritariamente constituídos por homens até a História recente. Por isso, as ideias e ações das mulheres tem sido permanentemente invisibilizadas e oprimidas, sobretudo as mais incômodas. Terezinha comparou a web, esse imenso campo aberto pela internet, com a Terra no seu início, um imenso campo propício ao compartilhamento, ao exercício da liberdade e da democracia. Lembrou também do “capitalismo que domina o mundo e quer lucro e competição e para isso necessita de controlar a tudo e a todos. Por isso, a necessidade de criarmos cada vez mais rodas e redes, onde damos e recebemos de todos, movidos pelo amor à humanidade, por valores feministas e anticapitalistas. A web é lugar propício para a criação de redes, onde cada um participa com seus saberes e conhecimentos e pode colocá-los à disposição de todos”.

Soraya Misleh, do Mopat (Movimento Palestina para Todos) e colaboradora desta Ciranda, destacou o protagonismo da mulher palestina na luta contra a ocupação de suas terras e na resistência ao apartheid imposto pelo Estado judeu sionista. Para compartilhar informações, Soraya participou do Fórum de Educação da Palestina, ocorrido no final de 2010, uma experiência muito forte, segundo ela. “Pudemos sentir na pele a discriminação que vivem os palestinos no dia a dia, a desumanização a que são submetidos, sentir o que faz o apartheid com as pessoas que querem voltar a sua terra, que vivem em campos de refugiados”.

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Soraya Misleh

A homogeneidade do mundo árabe mostrado pela mídia foi criticada pela jornalista, que afirma a diversidade dessa cultura, inclusive na sociedade palestina. “Para a mídia todos são terroristas, as mulheres são todas submissas. Mas nem todas usam o véu, nem todas são muçulmanas, e o problema não é o véu, mas o direito de escolha”. Soraya destaca a participação das mulheres à frente da luta contra a ocupação da Palestina desde o início, sobretudo na luta por uma educação e uma mídia independente. “O jornalismo livre e independente tem papel importantíssimo para mudar essa realidade”, diz. “A solidariedade internacional da mídia livre é fundamental para a luta pela Palestina livre”.

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Mohamed, da E-Joussor, traduzindo do árabe, falado pela representante da União das Mulheres Palestinas

Uma representante da União das Mulheres Palestinas também destacou a participação feminina com grande competência, principalmente no trabalho humanitário. “A ação das mulheres virou modelo de militância e de ação social na Palestina. Hoje as mulheres estão em todas as instituições políticas e sociais, mas a luta deve continuar pois ainda falta reconhecimento social. Por isso elas pressionam as autoridades para serem reconhecidas como parte da sociedade e lutam para conquistar seus direitos”. Da Argélia, falou Ourida Chouaki, onde, na prática, as mulheres ainda são colocadas com estatuto inferior, segundo disse. Ela divide o movimento feminista em seu país em dois períodos, antes e depois dos anos 1988/89, quando foram conquistados alguns direitos democráticos na imprensa e na organização de partidos políticos. Entretanto, diz a militante que em relação ao rádio e a televisão, acessíveis a todo o povo, o controle por parte do Estado continua e esses meios continuam alinhados ao poder.

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Elenara Iabel

Elenara Iabel, produtora cultural e colaboradora da Ciranda no Rio Grande do Sul, falou da importância do uso das tecnologias, popularizadas pela internet, para levar o conhecimento dos direitos às pessoas que os desconhecem. A feminista gaúcha falou também da desigualdade do mundo, de conquistas que as mulheres obtiveram e que, no entanto, são apenas formais, não existem na prática.

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Lilian Celiberti, pioneira nas lutas pela igualdade de direitos das mulheres na América Latina, também deu seu depoimento. Militante política contra a ditadura uruguaia, Lilian falou do seu coletivo feminista – Cotidiano Mujer – que tem produzido diversas campanhas midiáticas sobre os direitos da mulher, como a conhecida “Tu boca fundamental. Contra los fundamentalismos”. Ela contou também da luta pela democratização dos meios de comunicação em seu país e dos avanços alcançados, como a divisão igualitária do espectro eletromagnético que permitirá 1/3 do espaço para as emissoras comunitárias, onde as feministas estão criando um programa de televisão.

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Bárbara

Para fechar esta roda de conversa voltando a falar da Ciranda da Comunicação Compartilhada, tivemos os depoimentos de Bárbara Ablas e Deborah Moreira, duas jovens colaboradoras da rede. “Considero que foi um laboratório de formação e de apropriação de novas tecnologias”, disse Bárbara em relação à sua iniciação na Ciranda e participação no FSM, “além de espaço de politização e formação feminista, com valores básicos importantes como a comunicação compartilhada”. Deborah Moreira dá exemplo concreto dessas vivências, contando da sua experiência em 2006, de rádio e televisão no Fórum Estendido de Caracas. Com matérias desenvolvidas por várias pessoas, conseguiram fazer uma programação nos cinco dias de Fórum Social Mundial e retransmitir pelas rádios lá presentes.

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Deborah
“Cada um de nós, que vivemos aquela experiência, leva esse aprendizado consigo até hoje, assimilamos técnicas de rádiowe””, disse Deborah, destacando “a importância de resgatar essa memória e de continuarmos costurando novas relações e experiências, compartilhando informações transformadoras que possam contribuir na mudança do mundo”.

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