Para cada um dos midialivristas foi montado um painel em três idiomas (português, inglês e francês), pelo artista gráfico Paulo Duvivier, com texto feito de forma colaborativa entre várias participantes do FMML, bem como toda a concepção do memorial. Além disso, há fotos dos homenageados. Foram feitos, ainda, desenhos exclusivamente para a mostra, pelo artista Rafel Presto.
“Nos não estamos fazendo uma homenagem simplesmente porque eles morreram. Mas sim porque essas pessoas nos inspiraram, fizeram coisas que estão vivas e por causa disso perderam a vida”, declarou Rita Freire, integrante da Ciranda Internacional da Comunicação Compartilhada, uma das idealizadoras do Memorial e do FMML.
Montagem do Memorial
Enquanto a exposição era montada, muitos curiosos se aproximaram e acabaram descobrindo que se tratava de um memorial para lembrar ativistas que morreram, um deles um tunisiano. Aos poucos, os universitários locais foram se apropriando e somando esforços, juntamente com Elenara Iabel, também integrante da Ciranda, que concebeu e coordenou a montagem da instalação.
“A abertura oficial do ‘Memorial Um Tributo aos ciberativistas livres que perderam suas vidas em defesa do Direito da Liberdade de Expressão’ foi emocionante com a leitura dos nomes e todos dizendo, logo em seguida, a cada nome dos homenageados: ‘presente'”, declarou Elenara, referindo-se ao momento em que cada nome de ativista homenageado era lido em voz alta e, em seguida, as cerca de 80 pessoas no local diziam juntas “presente”, respondendo a uma espécie de lista de presença.
Rita Freire lembrou que havia uma dúvida com relação ao acolhimento dos temas do Fórum e do próprio memorial: “Queríamos saber quem estaria interessado no que viemos dizer. Mas nos demos conta de que eles logo se apropriaram, ocuparam a exposição e organizaram todo o espaço, fazendo revisão dos textos, das histórias das pessoas, trazendo novas histórias. Até fizeram questão de apresentar a exposição junto com a gente”.
Montagem do memorial
Uma dessas revisões, os organizadores do memorial tomaram conhecimento sobre a morte do tunisiano Zouhair Yahyaoui, que mantinha um fanzine eletrônico na internet, o TuneZine. Até então, se tinha conhecimento de que Zouahair, que foi preso em 2002, por divulgar informações sobre a esfera do judiciário, durante o governo ditatorial de Ben Ali, morreu tempos depois de ser solto, em 2005, após sofrer torturas e longas greves de fome aos 37 anos.
“Tínhamos a informação de que ele morreu poucos dias depois ao sair da prisão. No entanto, hoje descobrimos que ele saiu da prisão como o Vladimir Herzog. Ele saiu morto da prisão. Foi assassinado. E a noticia permitida para divulgar é que ele tinha morrido depois, já fora da prisão”, comparou Rita, referindo-se ao jornalista assassinado dentro da prisão, que teve recentemente sua certidão de óbito alterada. Sob determinação da Justiça brasileira, agora consta na certidão de Herzog que sua causa de morte foram “lesões e maus tratos sofridos durante o interrogatório em dependência do 2º Exército (DOI-Codi).
Durante a abertura oficial, que aconteceu por volta das 14h, o jovem blogueiro tunisiano Bessem Krifa, fez questão de contar a história de cada um deles e fez um discurso lembrando o ativismo desses jovens mortos, enfatizando a luta pelo direito à comunicação.
Soraya Misleh, da Ciranda e da Frente em Defesa do Povo Palestino, também discursou durante a abertura, lembrando que essas pessoas inspiraram e continuam inspirando a todos.
“Queremos sugerir que todos os participantes do Fórum Mundial de Mídia Livre escrevam atrás de seus crachás os nomes de todos esses ativistas que morreram para dizer que suas ideiais continuam vivas em nós”, sugeriu Soraya durante a abertura do memorial.
O gaúcho Gabriel Pillar é um dos homenageados no memorial
Um desses nomes é o do brasileiro Gabriel Pilar, criador da comunidade de blogs insanus.org onde mantinha o Vertigo, utilizado para expressar sua inquietude e questionamentos. Desde o início do processo do Fórum Social Mundial foi ativo colaborador da comunicação compartilhada, em sua cidade natal, Porto Alegre (RS).
Partiu em 2006, aos 22 anos, deixando seu olhar sobre as potencialidades da sociedade em rede e as primeiras experiências de blogosfera no Brasil.
Também faz parte do memorial uma mostra de cinema, onde serão apresentados vídeos que contam a história de vida desses ativistas.
FMML
Para os participantes e organizadores do FMML, trata-se de um momento único de troca e compartilhamento de informações.
“Já existe um acordo de continuarmos esse processo do Fórum Mundial de Mídia Livre juntos e juntas, como um movimento para mudar a comunicação em todo mundo, para fortalecermos uns aos outros. E essa experiência significa que certamente não sairemos daqui[Túnis] da mesma forma que chegamos”, exclamou Rita.
Ela lembrou também da situação de instabilidade do país e comparou as iniciativas brasileiras com as tunisianas.
“Nos estamos no Brasil tentando democratizar a comunicação numa circunstancia muito favorável e nós não conseguimos fazer. E aqui eles estão enfrentando uma situação de violência, de repressão, insegurança. Porque a Primavera Árabe é só o início de um processo de revolução. E quem faz comunicação e incomoda geralmente é alvo. Estamos dialogando e percebendo essa experiência”, disse a cirandeira brasileira, também conselheira do FSM, referindo-se ao fato de que no Brasil a situação é menos hostil quanto é na Tunísia.
Para os ativistas o que importa é conscientizar a todos que existe um movimento para mudar a comunicação no mundo e que todos os interessados podem se juntar a ele. “Começamos com a cobertura do Fórum, tentando uma nova forma de cobertura, e hoje a cobertura é só mais um elemento. Agora estamos discutindo de que forma esse encontro pode interferir para que a gente tenha uma comunicação mais democrática”, explicou Rita Freire.
Para Bia Barbosa, também integrante da coordenação do FMML e presente nas mesas de debate que ocorreram na segunda (25), sobre rádios comunitárias, “a questão da liberdade de expressão está tão presente na vida das pessoas”, do mundo árabe, chegando ao ponto de perderem suas vidas.
Ela também lembrou que a situação é de um enfrentamento ainda maior na região árabe, tendo em vista que há uma repressão que não existe no Brasil, o que torna a luta “mais intensa e mais cotidiana”.
“Hoje (segunda) de manhã várias pessoas pediram a palavra para contar o que estão vivendo e muitas delas disseram que foram presas, ou que ‘minha casa foi incendiada’”, relatou Bia Barbosa, também do coletivo Intervozes.
“Essa vivência enriquece a nossa luta, mas dificulta por conta da diversidade. Quanto maior a diversidade, mais difícil é avançar o movimento já que é preciso construir as decisões com muito mais gente. Mas, ao mesmo tempo, as mudanças alcançadas nesse tipo de movimento são mais duráveis e perenes. Então, hoje, talvez vamos andar mais devagar até do que gostaríamos. Mas estamos mais enriquecidos e mais fortalecidos por conta dessa amplitude”, completou.
Com relação ao Memorial, Bia fez questão de mencionar que sua existência é uma prova de que os depoimentos feitos durante o FMML têm fundamento e é preciso atenção de todos: “Esse memorial mostra que pessoas são mortas por exercerem sua liberdade de expressão.”
No último dia do FMML, no sábado (30), será feita uma assembleia para reunir os debates e temas propostos, o que resultará em uma carta final do encontro. Sobre o fato da comunicação ser um assunto bastante presente durante o FSM, Bia lembrou que essa edição reunirã uma grande quantidade de atividades sobre comunicação, algo que não era visto nas edições anteriores,o que representa a expansão das mobilizações dos comunicadores livres.
“Os debates no FSM em torno da comunicação acontecerão em atividades autogestionadas, propostas por organizações que constroem o FMML. E tem mais de 40 atividades de comunicação inscritas em todo o Fórum, propostas por organizações que não participam do FMML”, destacou Bia.
Em Túnis
Abaixo, confira áudio da entrevista com Rita Freire sobre o Memorial:
Um tributo aos midialivristas que nos deixaram
Excelente iniciativa. Deve seguir com os Fóruns e atividades do movimento pela Democratização da Comunicação e de luta pela liberdade de expressão.