Um “cartunista sem fronteiras”

As perguntas e colocações feitas pelos participantes da roda de conversa com Latuff, promovida por esta Ciranda e por integrantes do GT de Comunicação deste Fórum, revelaram como o cartunista é querido e admirado por sua arte. Suas ideias são brilhantes e bem humoradas sobre uma questão tão séria, disse um; sua arte não é de guerra ou de paz, é arte de humanidade, disse outra; o trabalho de Latuff deixa claro o papel da contrainformação, falou outra ainda. Suas charges expressam suas posições políticas, claro, e essas também agradaram a maioria dos presentes.

“Não estou satisfeito com este Fórum”, disse de cara. “Minha opinião é de que este Fórum não foi diverso, apenas Fatah e a Autoridade Palestina estiveram aqui. O Hamas representa a Palestina também, foi eleito inclusive, na mesa deveriam estar todas as facções”. Apesar do seu desabafo inicial (aplaudido por parte da plenária), saudou o fato de conseguirmos realizar o FSMPL, devido a tantas pressões que foram feitas para que não acontecesse. Bastante crítico da Autoridade Palestina, Latuff não acredita no Estado aprovado na ONU no dia da abertura do Forum. Chamou-o de “ fictício, pois mesmo com a declaração das Nações Unidas, Israel está promovendo mais 3 mil assentamentos na Palestina”.

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Fundamentalismos e democracia

Latuff criticou o conceito de Estado democrático, pois nunca os governos são representativos de todos os cidadãos. Muito menos representativo é o Estado de Israel, com sua mistura de religião e política, quando, prá começar, o Estado deve ser laico. O cartunista, conhecido por suas charges a respeito da Primavera Árabe e especialmente da luta palestina, queixou-se de ser acusado de antissemitismo. “As pessoas que lutam na causa palestina são chamadas de antissemitas, quando a questão nada tem a ver com religião”, disse, “nada tem a ver com judaísmo, é contra o governo de Israel, o Estado que representa uma parte, uma determinada classe da sociedade israelense”.

No debate, Rafael, do Comitê de Luta pela Palestina de Porto Alegre, disse que a mistura “é uma das manobras que foram utilizadas para constituir o Estado de Israel, para imunizá-lo, associando-o à religião, incorporando símbolo religioso na bandeira, que deveria ser um símbolo do Estado laico”. Para Natália Forcat, do GT de Comunicação do Fórum, a bandeira de Israel é “quase uma declaração de guerra!”. Acontece que as duas listas azuis representam os Rios Nilo e Eufrates, que hoje são parte do Egito, explica a cartunista e artista plástica. O termo anti-semita, contemporâneo, foi criado por um artista, lamentou Natália. “O grupo que falava semita foi chamado de semita”, explicou, “e o árabe é uma língua de origem semita, é uma hipocrisia”.

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Latuff já esteve na Palestina, assim como esteve na Turquia e na Irlanda do Norte, e nenhuma das lutas existentes nesses países tem por motivo verdadeiro a religião, embora em todos se aponte essa como a questão principal. O chargista lembrou que a mesma estrela da bandeira Israel coloca em seus tanques de guerra! “Quando acuso a Turquia de atacar os curdos”, disse ele, “não sou contra os muçulmanos. Na Turquia ninguém me chama de antimuçulmano por criticar seu governo”. Ele atribui à grande imprensa a difusão dessas ideias preconceituosas a respeito dos que lutam contra governos capitalistas, “não podemos contar com essa mídia para veicular nossas posições”. As charges de Latuff podem ser usadas por quem queira, estão disponibilizadas na internet. “Coloco meu trabalho em função das causas justas e a Palestina é definitivamente uma causa da humanidade!”

Disputar hegemonia na comunicação

A necessidade de construirmos os nossos próprios meios de comunicação, para podermos veicular outras ideias de mundo que a mídia comercial nunca irá divulgar, foi defendida por várias pessoas. “De quem é esta voz que isola este FMSPL, chamando-o de terrorista?”, perguntou Rita Freire, da Ciranda e do GT Comunicação. “Esta não é a nossa voz, a serviço de quem está essa mídia’”. Rompendo o muro criado pela mídia, Rita Freire anunciou uma mensagem do Fórum Pan Amazônico, que ocorreu nos mesmos dias na Bolívia. Um discurso que, mais do que solidariedade ao povo palestino, mostrou que a luta é a mesma, contra a expropriação de terras, dos recursos naturais e até da cultura, seja na Amazônia ou na Palestina.

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Invisíveis nos meios de comunicação, as posições questionadoras desse estado dado como natural das coisas circulam nas redes e meios alternativos. Este Fórum foi prova disso, pois seus debates, entrevistas, manifestos estão circulando por todo o planeta, graças a coletivos de comunicadores e redes como a Ciranda. Latuff disse que precisamos de estratégias melhores de mídia alternativa e considera a imagem um bom caminho para chegar a todas as pessoas. “A esquerda tem dificuldade de disputar a hegemonia na mídia com a grande imprensa, fica esperando que esta lhe dê espaço e não acontece”.

Lelex, cirandeira de Porto Alegre, saudou o trabalho dos midialivristas com as novas tecnologias, dando eco a nossa voz. “Enquanto escrever num muro é crime, publicar mentiras é liberdade de expressão”, disse a ativista. Débora Maria da Silva, do Movimento Mães de Maio, parabenizou o “cartunista sem fronteiras” Latuff, parceiro também deste movimento que reúne mães de São Paulo que perderam seus filhos para a violência da polícia. “A nossa luta é igual a das mães palestinas”, falou Débora. “O inimigo é o mesmo, só que no Brasil nós não sabemos”.

Sorte dos venezuelanos que viram a comunicação social transformar-se nos últimos anos em seu país. “Temos muitos meios comunitários na Venezuela, e também públicas e estatais”, disse a cineasta Liliane Blaser Aza. “E todos esses meios são pró Palestina”. A diretora e professora elogiou muito o FSMPL, como uma oportunidade de construirmos redes, trocarmos cartuns, textos, vídeos. Latuff lembrou que Chavez estimulou essa rede de mídias alternativas devido ao papel da grande imprensa no golpe que tentaram contra ele. “No Brasil ainda não há consciencia de que temos que avançar nisto”, volta a falar o cartunista. “O inimigo é o mesmo, mudando a cara. A resistência deveria ser também unificada, o novo colonialismo é o inimigo”.

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