Os EUA se cansaram de mimar Israel?

Um documento de 82 páginas e uma diminuição de pessoal e armamentos para o Austere Challenge 12 (AC12), exercício militar conjunto com Israel, indicam que o governo dos EUA decidiram mostrar aos sionistas quem é que manda no relacionamento entre os dois países. Das 5 mil tropas previstas para o AC12, serão enviadas “apenas” 1,5 mil; os sistemas de defesa de mísseis Patriot seguirão, mas sem ter quem os opere; dos dois navios de defesa de mísseis balísticos Aegis esperados, só um participará do exercício. “A mensagem a Israel é clara: ‘Se vocês querem provocar uma guerra mundial sem a aprovação dos Estados Unidos, tratem de des- cobrir por conta própria como defender seu povo”, avalia Gilad Atzmon, músico e escritor israelense antissionista que vive no Reino Unido.

É uma avaliação correta, mas talvez a questão tenha um alcance maior. O AC 12, por exemplo, estava programado para janeiro de 2012, e foi adiado para o segundo semestre do ano sem muitas explicações. À época, Mark Regev, porta-voz do primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyhau, limitou-se a dizer que o adiamento se dava porque aquele não era “o momento certo”. E isso menos de um mês depois de Leon Panetta, secretário de Defesa estadunidense, ter assegurado que o exercício – destinado a testar sistemas de defesa aérea dos dois países contra mísseis e foguetes de vários tipos – era uma prova do “compromisso inabalável” de Washington com a segurança de Israel.

Os fatos, porém, sugerem que esse compromisso está, sim, bastante abalado. Além da decisão dos EUA de reduzir, e muito, os efetivos que participarão do treinamento militar, há outros indicativos de que a paciência do governo Obama com os sionistas de Israel está no fim. Os planos de Netanyhau, de lançar um ataque ao Irã pouco antes das eleições estadunidenses para forçar os EUA a entrarem no conflito, e seu apoio ao candidato republicano Mitt Romney, colaboraram para a mudança da postura de Washington.

Forte documento

Mas há ainda um terceiro fator: o tal documento de 82 páginas, elaborado por órgãos oficiais dos EUA. Seu teor, bastante desfavorável aos sionistas e a Israel, vem pondo ainda mais lenha na fogueira das eleições dos Estados Unidos – que, como muita gente sabe, são controladas pelas generosas verbas dadas aos candidatos pelos lobbies sionistas e julgadas segundo o estranho critério do tamanho do apoio que os postulantes ao cargo máximo dos EUA dão a Israel.

O relatório foi encomendado pela Intelligence Comunity (IC) dos Estados Unidos, que reúne 16 agências de inteligência e tem um orçamento de mais de 70 bilhões de dólares anuais. A IC é formada pelos departamentos da mari- nha, do exército, da força aérea, os mariners, a guarda costeira, a Agência de Inteligência da Defesa, os ministérios de Segurança Interna, Estado, Energia, Economia, as agências antidrogas, de segurança nacional, de segurança geoespacial, de reconhecimento, a CIA e o FBI. Todos colaboraram com o documento.

Não é pouca coisa, nem pouca verba. O envolvimento de ministérios, agências de segurança e forças armadas mostra o tamanho do problema que os sionistas criaram para os Estados Unidos e que finalmente começa a ser questionado em nível federal. A bem da verdade, é preciso que se diga que há anos ex-agentes de segurança, organizações sociais e de veteranos de guerra esta- dunidenses já vinham alertando para o domínio dos lobbies judeus-sionistasnas políticas interna e externa do país norte-americano.

A versão inicial do documento – cujo título sugestivo é Preparação para um Oriente Médio Pós-Israel – pôs os congressistas patrocinados pelo sionismo de cabelo em pé. O documento faz uma análise ampla do cenário internacional e do papel que os lobbies sionistas obrigam os EUA a desempenhar nele. Ao relatório teve acesso Frank Lamb, professor de direito internacional que integrou o Tribunal Internacional de Justiça e é antigo defensor dos direitos dos palestinos. De acordo com Lamb, o relatório conclui que: os interesses dos Estados Unidos estão em completo de- sacordo com os de Israel; Israel é hoje a maior ameaça aos interesses dos Estados Unidos, porque seu caráter e suas ações impedem que os EUA tenham relações normais com as nações árabes e muçulmanas e, num grau crescente, com a comunidade internacional.

Desgaste por Israel

O relatório pega pesado contra os sio- nistas. As amostras do conteúdo, reveladas por Lamb, são realistas e fazem referência apenas a parte das catástrofes que o movimento sionista vem provocando desde sua organização, na Europa do final do século 19. A mais conhecida é o genocídio cometido contra os palestinos, que tiveram seu país usurpado e seus direitos roubados. Mas é surpreendente que uma visão crítica do sionismo e de sua cria constem de um relatório oficial do governo estadunidense. Ao que tudo indica, a obrigação de ter de apoiar sem reservas as brutalidades do atual governo israelense levaram os EUA ao limite da paciência. E ao desgaste político internacional.

O esboço do relatório apresenta avaliações sombrias numa linguagem nada diplomática. São usadas palavras e expressões mais costumeiras na mídia independente – que habitualmente dá os nomes corretos às coisas – do que em documentos de Estado, em especial quando se referem a países considerados “amigos”. Isso também dá a medida de até que ponto o governo estadunidense está desgastado com a perda de autonomia e a obrigação de a todo momento garantir aos sionistas seu compromisso com a segurança e a existência de Israel. É a velha história: quem sabe que agiu errado sempre precisará de alguém mais forte que o proteja de possíveis sanções pelos erros cometidos.

O relatório termina com um discurso sobre a necessidade de evitar alian- ças, como a que existe entre EUA e Israel, que hostilizem grande parte do mundo, condenando os cidadãos estadunidenses a suportar as consequências da reação a essas alianças.

“É interessante notar”, escreve Frank Lamb, “que o documento considera o Irã exemplo de país e de povo que têm muito em comum [com os EUA], e cujos cidadãos possuem um interesse real em associações bilaterais (aqui parece haver uma referência a Israel e a seu lobby nos EUA) não determinadas pelos desejos de outras nações e de seus agentes. Isso também esclarece a necessidade, para os Estados Unidos, de comprometer-se com a retomada de relações com os países árabes e muçulmanos, incluindo um drástico corte no uso de drones (aviões pilotado à distância).”

Uso eleitoral

Nos Estados Unidos, o relatório está sendo usado como instrumento, por parte dos republicanos, para tentar minar a campanha de Barack Obama e transferir votos para Mitt Rommey, cuja vitória nas eleições de 6 de novembro é muito pouco provável. De acordo com Lamb, Romney e Ilena Ros-Lehtinen – congressista republicana sionista, pedra no sapato do atual governo por sua defesa intransigente dos interesses de Israel no Congresso dos EUA e por suas críticas a Obama – já têm vários encontros agendados com líderes judeus dentro e fora dos Estados Unidos, para convencê-los de que o candidato republicano é “o melhor amigo de Israel” e que o responsável pelo relatório é Obama, que dessa maneira demonstraria seu “desdém por Israel”. Como em política nada é o que parece ser e há agendas ocultas em praticamente tudo, é possível pensar em algumas hipóteses para a decisão de elaborar um documento tão áspero aos sionistas. Uma delas é que talvez o relatório Preparação para um Oriente Médio Pós-Israel não passe de uma jogada política com a qual o governo Obama espera manter Benjamin Netanyhau, primeiro-ministro israelense, sob ameaça, a fim de obrigá-lo a controlar sua sanha contra o Irã – algo do tipo “quietinho aí, moleque, ou cortamos sua mesada”. Mas talvez haja mesmo uma vontade sincera, por parte do governo estadunidense, de tirar Israel e os sionistas das costas, um fardo sempre muito pesado, mas que ficou insuportável com a crise financeira que penaliza a população, levando-a às ruas para gritar palavras de ordem contra os “banqueiros judeus-sionistas”, segundo eles o 1% contra o qual 99% do mundo se voltam. De quebra, o rompimento com Israel poderia significar, na visão dos EUA, a abertura de um mercado considerável, ainda pouco explorado por vários setores de negócios estadunidenses, e a possibilidade de dominar os recursos energéticos do Oriente Médio – projeto muito antigo – de maneira, digamos, “civilizada”, sem a destruição de vidas, da soberania e da própria existência dos países daquela região. Afinal, esforços diplomáticos custam bem mais barato do que guerras prolongadas e inúteis, como são todas as guerras.

Outras estratégias

Leve-se em conta também o fato de que o apoio a Israel abriu caminho para a marginalização dos EUA e o fortalecimento de Rússia e China na região. Essa é a prova cabal de que os Estados Unidos escolheram – ou foram forçados a escolher – a estratégia errada. Ao contrário do país norte-americano, que destruiu vidas, perdeu moral internacional e trilhões de dólares em guerras nas quais foi derrotado, Rússia e China preferem investir, de maneira discreta, em setores fundamentais para os negócios energéticos de países da região, como financiamento para sistemas de pro- dução e distribuição de gás e petróleo. Com isso, além de obter com facilidade o fornecimento desses produtos, reforçam sua presença política, econômica e comercial numa região estratégica. Os EUA sabem que esse é um espaço irrecuperável, até porque as populações muçulmanas desses países, com a clareza forjada na mais violenta experiência própria, consideram a terra de Tio Sam a corporificação do mal e se oporão a quaisquer tentativas de negócios que seus governos fizerem na direção do norte das Américas. Essa é uma amostra do longo e lento trabalho que os Estados Unidos terão pela frente caso decidam quebrar o compromisso com Israel – por sua vez, também considerado inimigo número um dos povos árabes. Seja qual for o objetivo não explícito do documento, o ato de colocar os sionistas na geladeira e deixar de enviar mesada e brinquedinhos caros, como aviões, munição e armas para Israel – que depende do poder militar e do dinheiro dos EUA para oprimir os pa- lestinos e garantir a própria sobrevivência – será uma solução que contará com o apoio da sociedade civil interna- cional, que já isolou os sionistas e Israel há muito tempo. Não à toa, nas pesquisas sobre a percepção que os povos do mundo têm dos vários países, Israel é considerado o menos confiável e o que oferece maior risco à segurança e à vida do planeta. A tática sionista de apossar-se da Palestina por meio da violência de ações militares, promovendo a expulsão e a eliminação dos palestinos para formar o Grande Israel – delírio baseado em mitos bíblicos que nada têm a ver com a realidade histórica, como comprovam escavações arqueológicas na região –, revela-se cada vez mais um enorme fracasso. Os palestinos resistiram e, com eles, os povos do mundo. E sem disparar um só tiro vão vencendo os “beligerantes” sionistas. A maior prova des- sa vitória é a mobilização da sociedade civil internacional pelo fim da ocupação sionista da Palestina – uma mobilização que, a julgar pelos últimos movimentos do governo dos EUA em relação ao governo de Israel, demonstra o peso da opinião pública no xadrez da política internacional.

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