Conferência mundial Rio +20 e a hipocrisia ambiental

Tema que há não muito tempo tomou o nosso dia a dia, o Desenvolvimento
Sustentável será a estrela principal da próxima conferência da Organização das Nações Unidas (ONU), programada para acontecer entre os dias 13 e 22 de junho na cidade do Rio de Janeiro.
A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável,
também conhecida como Rio+20, reunirá representantes dos 193 Estados-Membros das Nações Unidas para debaterem temas como mudanças climáticas, desmatamento e proteção aos mares e florestas, a fim de
tirar uma agenda de ações globais.
O encontro, no entanto, está à frente de uma série de críticas antes mesmo de acontecer. Muitos estudiosos e ativistas na área ambiental não acreditam na eficácia das conferências da ONU, e temem que o Rio de Janeiro possa ser palco, em junho, de mais um teatro, onde os líderes de Estados e as corporações se eximam de suas responsabilidades na destruição do meio ambiente.

zero DRAFT

Seu nome já explica: a Rio+20 acontece 20 anos após a Rio-92, conferência que, em 1992, difundiu o termo desenvolvimento sustentável. O objetivo do segundo encontro seria, desta forma, o de avaliar os progressos, aprimorar as ações que levam ao desenvolvimento sustentável e discutir novos temas que surgiram de lá para cá.

Esse propósito, no entanto, sofreu alterações, conforme explica Fátima
Melo, da ONG FASE – Solidariedade e Educação: “A Rio+20 de início se
propunha a fazer a revisão dos tratados e convenções criados na
Rio-92, e lançar uma nova agenda. O principal era fazer essa revisão
para ver as lacunas que tinham ficado, mas esta agenda caiu, porque os
governos não querem ficar expostos ao fato de não terem implementado o
que se propuseram há 20 anos”.
Estudiosos da questão ambiental afirmam que, desde a Rio-92, os países
realizaram nenhuma ou quase nenhuma mudança na maneira como se
relacionam com o meio ambiente. Segundo o sociólogo Michael Löwy,
apenas mudanças superficiais foram promovidas: “Enquanto a crise
ecológica se agrava, os governos – para começar o dos Estados Unidos e
dos demais países industrializados do Norte, principais responsáveis
do desastre ambiental – desenvolveram, em pequena escala, fontes
energéticas alternativas, e introduziram mecanismos de mercado
perfeitamente ineficazes para controlar as emissões de CO2. No fundo,
continua o famoso business as usual, que, segundo cálculo dos
cientistas, nos levará a temperaturas de 4° ou mais nas próximas
décadas”.
Devido ao fato de muito pouco ter mudado desde 1992, os governos
optaram por deixar de lado o objetivo principal da Rio+20. Esse fato
se torna explícito no Zero Draft, documento lançado em janeiro desse
ano que traz um compilado de propostas, e guiará as discussões em
junho.
O Zero Draft reuniu em 19 páginas todas as propostas enviadas pelos
Estados membros das Nações Unidas, e é considerado uma prévia do que
será a Rio+20. O documento não trata apenas de temas diretamente ligados ao meio ambiente, e toca em assuntos como erradicação da pobreza, igualdade de gênero, direitos dos povos indígenas, etc.
Suas páginas são recheadas de constatações que até hoje nunca saíram
do papel nem mesmo entre os países pertencentes à ONU, e reafirma
temas que tantas vezes já foram tratados em outras conferências. Por
estes e outros motivos o Zero Draft é alvo de críticas: “O que mais me
impactou (no esboço zero) é que os países não reconheceram aqueles
princípios que eles próprios constituíram e foram signatários. É um
esquecimento propositado para justificar a reafirmação de um modelo
que é exatamente o que tem causado problemas históricos para todas as
populações”, afirma Iara Pietricovsky, do Instituto de Estudos
Socioeconômicos (Inesc).
Fátima exemplifica um importante princípio que pode ser deixado para
trás durante a Rio+20: “Quando o Zero Draft coloca metas de
desenvolvimento sustentável, ele iguala todos os
países, e isso fere um dos princípios que sempre orientou as
negociações desde a Rio-92, que é o das responsabilidades comuns,
porém diferenciadas. Isso significava que os países que historicamente
poluíram mais têm uma responsabilidade maior”.

MAQUIAGEM VERDE

Um tema que aparece diversas vezes durante o Zero Draft, e que
provavelmente será a bola da vez a partir da Rio+20 é a economia
verde, que também tem encontrado muitos críticos. Iara explica a
origem do termo: “Esse conceito foi desenvolvido e aprofundado a
partir de um relatório do Pnuma (Programa das Nações Unidas para o
Meio Ambiente), de 600 páginas, que diz o seguinte: ‘A gente não
precisa mudar nada no mundo, o que a gente precisa é tirar um
percentual do dinheiro circulante e aplicar em tecnologia que vai
produzir a redução de emissão de gases do efeito estufa’”.
Na prática, a economia verde nos moldes do Pnuma poderia gerar uma
dependência dos Estados em relação à iniciativa privada, já que seria
papel da última criar mecanismos que tornem os países e as indústrias
mais verdes.
Desde sua concepção, a economia verde nunca pretendeu quebrar com o
modelo de produção-consumo estabelecido, e o Zero Draft aponta que a
Rio+20 provavelmente não fará diferente. Prova disso é que o documento
ressalta a importância da iniciativa privada na promoção do
desenvolvimento sustentável, chegando a utilizar o termo consumo
sustentável.
Para Beto Bannwart, da Coordenação Nacional do setorial ecossocialista
do Partido Socialismo e Liberdade (Psol), o termo é uma tentativa do
atual sistema econômico de fazer uma maquiagem verde para ocultar os
desastres ambientais que ele mesmo provoca: “A questão da economia
verde é uma tentativa do sistema de se renovar. No meu entendimento, a
economia verde vem no sentido de tentar construir um modelo econômico
para sustentar o novo ciclo de renascimento do capitalismo, que seria
uma espécie de eco-capitalismo, ou capitalismo verde”.
Outra preocupação em torno da economia verde é que ela traga um
aumento cavalar na mercantilização da natureza. Fátima explica: “Um
grande problema da economia verde é: como financiar a transição (entre
a economia atual e a verde)? Dando um preço aos recursos naturais;
água, ar, terra, biodiversidade, tudo vai receber um preço”.
Na prática esse processo já ocorre, principalmente por meio de REDDs
(Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação). Através deles,
empresas ou países poluidores podem comprar extensões de florestas
ainda preservadas (em geral em países como Brasil e Indonésia), como
mecanismo de compensação pelo mal que fazem ao planeta.
Fátima exemplifica: “Uma empresa nos
Estados Unidos, por exemplo, que emite mais carbono do que pode e quer
ter saldo para emissão compra esse saldo através de um contrato com um
território indígena. A população que assina esse contrato perde o
direito sobre sua terra, e não pode decidir autonomamente, por
exemplo, como fazer seu roçado, porque pode estar violando um contrato
que supõe que a terra vai estar ali, inalterada”.

GOVERNO

O fato da Rio+20 acontecer em solo brasileiro faz do Brasil o
Presidente da Conferência. Segundo informações da assessoria de
imprensa do Ministério das Relações Exteriores, nessa posição o país
“tem que tentar promover um consenso”, e não adianta “ter uma posição
vanguardista, de tentar empurrar propostas que sabemos que não serão
aceitas”.
O Ministério afirmou ainda que espera “que os resultados da Conferência sejam ambiciosos”, e sobre as críticas em relação à ineficácia de Conferências como a Rio+20, afirmou: “Se você olhar só para o que não avançou, vai cair nos velhos diagnósticos. Todo mundo sabe o que falta avançar e porque não avançou, às vezes é preciso, ao invés de olhar para o lado negativo, pensar o que é necessário fazer daqui para frente”.
O país, no entanto, é alvo de críticas do ponto de vista ambiental.
Para Iara, nessa questão o governo brasileiro tem uma relação ambígua:
“Por um lado, o Brasil acena com o corte de emissões na COP-15 em
Copenhagen, faz um discurso emocionante para o mundo e o mundo espera
dele protagonismo nessa questão, mas o Brasil interno não tem nada disso. A bancada ruralista no Congresso começou a abrir aquilo que nós, por tantas décadas, conseguimos formatar como princípios e parâmetros legais de preservação”.
Ela cita o novo Código Florestal como principal exemplo desse
processo, mas existem muitos outros, como exemplifica Beto: “As obras
principais que o governo tem tocado aqui no Brasil, como Belo Monte,
Reforma do Código Florestal, Usina Nuclear de Angra 3, transposição do
Rio São Francisco e liberação dos transgênicos são medidas de uma
política de crescer a qualquer custo, sem levar em consideração as
questões socioambientais”.
Atualmente, o agronegócio está à frente da economia brasileira, mas para muitos, ele é o exemplo perfeito de uma prática que vai no sentido contrário da preservação da natureza e sustentabilidade. “Esse sistema utiliza muito veneno, envenenando o trabalhador, o solo, a água e sobretudo os próprios alimentos que são vendidos. As monoculturas simplesmente produzem e importam matéria prima, que não tem nenhum valor agregado e, com isso, não empregam uma quantidade grande de trabalhadores. Além disso, elas estão avançando na Amazônia, no cerrado e no Pantanal, desmatando e envenenando os rios”, afirma Joaquim Pinheiro, membro da coordenação nacional do MST (Movimento dos
trabalhadores sem Terra).
Como alternativa a esse sistema, ele cita a agroecologia, que visa produzir respeitando o trabalhador e as dinâmicas de cada ecossistema e abandonando o uso de agrotóxicos, transgênicos e monocultura, que esgota os nutrientes do solo. “Mas, para isso, é preciso colocar as nossas universidades para produzir tecnologias e conhecimentos em torno dessa questão, além de aplicar recursos do Estado para fomentar os produtores a iniciarem esse processo de transição rumo a uma agricultura sustentável” afirma.
Ainda na esteira dos aspectos nada verdes do governo, Renata Camargo,
Coordenadora de políticas públicas do Greenpeace, aponta: “(o governo)
não criou novas unidades de conservação, e não foram criadas novas
leis ou maior rigor sobre as questões ambientais. Tivemos retrocessos,
na verdade, como a medida provisória que está tramitando agora no
congresso que reduz áreas de unidades de conservação (A MP 558 prevê a
redução da área de quatro unidades de conservação na Amazônia)”.
Duas práticas defendidas pelo governo como “verdes” são a produção de
energia a partir de usinas hidrelétricas e os chamados biocombustíveis
como opção à gasolina. Joaquim critica ambas: “A forma como é feita a
produção de etanol tem um custo social altíssimo, com grandes fazendas
produtoras de cana-de-açúcar onde se utiliza monocultura, trabalho
escravo e onde se contamina o solo e a água. A quantidade de fuligem
que é distribuída nas cercanias dessas grandes fazendas é enorme, e o
nível de doenças respiratórias é muito grande, principalmente em crianças”.

Sobre a obtenção de energia a partir de grandes hidrelétricas, ele
afirma: “É possível construir pequenas e médias usinas hidrelétricas,
onde o impacto social e ambiental são mínimos; mas são feitos grandes
projetos, que tem um custo ambiental e social muito grande, porque
para as grandes empreiteiras é mais lucrativo”.
Organizações como o Greenpeace defendem ainda que a energia solar e
eólica são soluções viáveis inclusive para o Brasil, mas necessitam de
investimento e regulamentação.
Renata também cobra uma postura mais eficiente do governo no combate
ao desmatamento. Ela propõe: “Nós temos, hoje no Brasil, um percentual
muito grande de terras degradadas, que foram utilizadas para pecuária
e agricultura. (Os agricultores) começam a abrir novas terras,
desmatar novas áreas, ao invés de tentar recuperar essas, manejar
outras atividades possíveis”.

MIGRANTES

É impossível descolar a questão ambiental das desigualdades sociais.
Além de serem fruto do mesmo modelo de produção, os desastres naturais
e mudanças climáticas prejudicam diretamente as populações
historicamente exploradas.
Michael desenvolve: “As primeiras vitimas dos desastres ecológicos são
as camadas sociais exploradas e oprimidas, os povos do Sul, e em
particular as comunidades indígenas e camponesas, que veem suas
terras, suas florestas e seus rios poluídos, envenenados e devastados
pelas multinacionais do petróleo e das minas, ou pelo agronegócio da
soja, do óleo de palma e do gado”.
Existe ainda uma relação direta entre a questão ambiental e os
processos migratórios. Quando a exploração desenfreada do meio
ambiente causa sua destruição, são as populações mais pobres que
sofrem por terem seu meio de subsistência arrasado. Em situações como
esta tais populações não tem escolha, senão migrarem para os centros
urbanos, e viverem em péssimas condições.
“Os impactos ambientais estão acirrando as desigualdades, deslocando
populações dos modos de produção e consumo oriundos de suas culturas
específicas, sendo essas culturas destruídas. Essas populações estão
sendo retiradas dos seus espaços e ficam vagantes no mundo”, afirma
Iara.
E não é preciso ir muito longe para conseguir exemplos de processos
como os citados acima. Especialistas afirmam que a usina hidrelétrica
de Belo Monte, que está sendo construída no Rio Xingu, pode causar
sérios impactos ambientais, prejudicando as populações locais: “Os
indígenas precisam da floresta para sobreviver e os pescadores, dos
peixes, então eles vão ter seus meios de subsistência afetados”, diz
Beto.
Outro exemplo desse deslocamento e seus efeitos que pode ser percebido
aqui no Brasil é o caso dos imigrantes haitianos. Países como os
Estados Unidos conseguem se restabelecer após catástrofes como um
terremoto, mas à população de locais como o Haiti, uma das únicas
soluções é tentar a vida em outro local, ou viver de forma miserável.

X DO PROBLEMA

Motivo importante que origina a descrença de muitos em relação à
Rio+20 é que ela, muito provavelmente, não romperá com a forma como os
Estados veem a questão ambiental, ignorando propositalmente o fato de
que o grande causador das catástrofes e esgotamento dos recursos
naturais é o nosso modelo de produção e consumo, oriundos de um
sistema econômico que não vê barreiras ao lucro.
“Nos últimos 20 anos, desde o Rio-92, (os governos e a iniciativa
privada) demonstraram amplamente sua incapacidade de enfrentar os
desafios da crise ecológica. Não se trata só de má vontade, corrupção,
ignorância e cegueira – tudo isto existe, mas o problema é mais
profundo: o próprio sistema é incompatível com as radicais e urgentes
transformações necessárias”, define Michael.
A preservação do meio ambiente e reversão de diversas sequelas que o
homem deixou na Terra necessitam de mudanças estruturais, e não apenas
da promoção de incentivos fiscais a quem deixar de desmatar ou
campanhas que incentivem o cidadão a tomar banhos curtos.
Iara dá sua opinião: “Não basta tecnologia, é preciso mudar a
mentalidade das pessoas, os seus desejos precisam ser mudados. As
pessoas têm que sair de um paradigma do desejo individual e consumo
para uma visão do que é bom para o coletivo”.
Para Beto, o respeito ao meio ambiente não é possível dentro dos
marcos do capitalismo: “Eu acho que dá para avançar em pequenas
questões no capitalismo, que dependem da boa vontade das pessoas,
grupos ou partidos, mas não é possível avançar na questão essencial,
porque a natureza é vista pelo sistema como uma fonte de recursos
naturais para ser transformada em dinheiro”.
Tendo esses elementos em vista, é possível, inclusive, prever algumas posições durante a Rio+20. Para Fátima, os países em desenvolvimento podem questionar a adoção de medidas ambientais por encarecerem e dificultarem as exportações, o que beneficiaria os países mais ricos: “Os países emergentes continuam com a velha tese de que compromissos na área ambiental podem resultar em protecionismo dos países do norte. Colocando parâmetros ambientais, na verdade os países do norte querem colocar barreiras às exportações”. Em relação aos países mais ricos, Michael afirma: “A crise financeira internacional tem servido de pretexto para empurrar para mais tarde as medidas urgentes e necessárias para limitar as emissões de gases do efeito estufa. A urgência do momento – que já dura alguns anos – é salvar os bancos, pagar a dívida externa (aos mesmos bancos), restabelecer os equilíbrios contáveis e reduzir as despesas públicas. Não há dinheiro disponível para investir em energias alternativas, ou para desenvolver os transportes coletivos”.

SACOLINHAS

Essa cegueira proposital gera um discurso hipócrita, que tenta lucrar
a partir de falsas iniciativas “verdes” e distribuir a culpa pela
destruição do meio ambiente igualmente entre cidadãos e empresas.
O sistema comprou a ideia de que é necessário cuidar do planeta, e
agora tenta vende-la ao cidadão. Exemplo desse processo pode ser
percebido através do número de produtos que anunciam em suas
embalagens que são “verdes”. Esse percentual cresce a cada ano, mas o
compromisso nem sempre é cumprido. Renata exemplifica: “A empresa
coloca na embalagem ‘somos sustentáveis, investimos em projetos
socioambientais’, mas às vezes o dinheiro que ela investe é 0,01% do
recurso que ela investe em práticas insustentáveis, que vão contra os
direitos humanos e contra a capacidade de recursos naturais do planeta”.
A prática de induzir o consumidor a comprar um produto a partir de um
falso apelo verde é denominada greenwashing (lavagem verde, em
tradução livre), e tem se tornado muito comum. A empresa de
consultoria norte-americana TerraChoice realizou uma pesquisa e
constatou que, em relação ao ano anterior, houve um aumento de 73% nos
produtos que se dizem verdes em 2010 nos Estados Unidos.
Segundo a empresa, 95% destes produtos se utilizaram de greenwashing.
Exemplos dessa prática são, por exemplo, o emprego de palavras vagas,
como natural, para passar uma falsa ideia de sustentabilidade ou
estampar embalagens com falsos certificados ambientais.
Outra maneira que as empresas e governos encontraram para tentar tirar
de si mesmos a etiqueta de principais poluidores foi dividindo a culpa
com os cidadãos. Na televisão, são muitas as propagandas que frisam a
importância de economizarmos água, se utilizando da manjada frase “Se
todos fizerem sua parte, o mundo será um lugar melhor”. Mas será que a
nossa parte é igual às dos governos e empresas?
Para Fátima, da mesma forma que os países desenvolvidos e em desenvolvimento devem ter responsabilidades diferenciadas na preservação do meio ambiente, os cidadãos não podem estar em pé de
igualdade com outros setores: “A pessoa que mora em uma comunidade que
mal tem acesso à eletricidade e que agora conseguiu comprar seus
eletrodomésticos não pode ser convocada a participar da salvação do
planeta no mesmo nível que aqueles que consomem a grande maioria dos
recursos naturais”.
Outro exemplo desse processo de “divisão das responsabilidades” está
em curso no Estado de São Paulo. Uma Lei sancionada pelo Prefeito
Gilberto Kassab previa que a partir de 1º de janeiro deste ano os
supermercados parassem de distribuir sacolinhas plásticas, devendo
disponibilizar aos consumidores sacolas biodegradáveis, pelo preço de
R$ 0,19 cada.
Após embates na Justiça, a lei foi cancelada, mas recentemente o
Ministério Público do Estado de São Paulo e a Associação Paulista de
Supermercados (APAS) assinaram um Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta (TAQ), no qual os supermercados se comprometem a disponibilizar as sacolinhas apenas até o dia 3 de abril.
Beto questiona a medida: “A princípio eu não acho ruim que nós
diminuamos o uso de plástico, porque ele demora muito tempo para se
decompor. Mas porque só as sacolinhas? Hoje a maioria dos produtos dos
supermercados são embalados em plástico. Mais uma vez a classe
trabalhadora vai pagar a conta, porque a sacolinha plástica vai ser
substituída por uma outra que é paga, e antes o preço da sacolinha ia
embutido no preço do produto, e muito provavelmente os produtos não
vão ficar mais baratos”.
Não se trata de ignorar a responsabilidade que nós temos na
preservação do planeta, mas exigir que ambos os lados tenham que mudar
suas atitudes, e de forma proporcional ao mal histórico que causaram
ao meio ambiente.
Infelizmente, a questão ambiental, apesar de urgente, ainda está
permeada de hipocrisia e discursos vagos. Um avanço: a sociedade está
muito mais ciente de que os recursos naturais não são eternos, e
também sabem muitas das práticas que poluem a água, o ar, etc. A
Rio+20 possivelmente mostrará quem realmente está interessado em
alterar a maneira como lidamos com o nosso planeta, e quais mãos podem
ser responsáveis por mudanças efetivas.

BOX 1

Mais de 40 anos de debate ambiental
Um dos principais motivos para que haja muita descrença em torno da
Rio+20 é o fato de que a ONU vem realizando conferências, relatórios e
agendas há 40 anos, sem, até hoje, conseguir mudanças estruturais na
maneira como os países se relacionam com o meio ambiente,
principalmente os maiores poluidores. Abaixo estão listados alguns dos
encontros que trataram desse tema.
A primeira conferência que se propôs discutir a relação entre os
problemas que o planeta enfrentava, como degradação dos oceanos e
atmosfera, com determinadas ações promovidas pelo homem foi a
Conferência das Nações Unidas Sobre o Homem e o Meio Ambiente,
realizada no ano de 1972 em Estocolmo, Suécia.
Em 1990, o IPCC (sigla em inglês para Painel Intergovernamental sobre
Mudanças Climáticas), órgão da ONU que realiza pesquisas sobre o
clima, lançou relatório que ligou a emissão de Gases do Efeito Estufa
(GEE) à atividade humana, e previu aumento médio na temperatura global
de 0,3ºC a cada década caso não houvesse mudanças nessas atividades.
A Rio92, ou Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o
Desenvolvimento, aconteceu no Rio de Janeiro em 1992, e produziu a
agenda 21, documento que visa a promoção do desenvolvimento
sustentável, baseado no respeito ao meio ambiente e justiça social.
Da Rio+20 saíram também as COPs (sigla em inglês para Conferência das
Partes), encontros dos países que assinaram acordos sobre a
biodiversidade e mudanças climáticas na Rio+20. Em 1997, a COP-3,
realizada em Quioto, no Japão, desenvolveu o Protocolo de Quioto, que
obrigava os países membros das Nações Unidas a reduzirem, entre 2008 e
2012, 5,2% das emissões de GEE em relação a 1990. A última COP, de
número 15, foi realizada em 2009 em Copenhagen, Dinamarca.

BOX 2

Cúpula

Paralelamente à Rio+20 oficial são esperadas muitas mobilizações em
todo Brasil. Exemplo disso é a Cúpula dos Povos na Rio+20 por Justiça
Social e Ambiental, evento que reunirá ONGs, movimentos sociais e
membros da sociedade civil para discutir a fundo temas que estarão de
fora da Conferência da ONU ou não serão tratados com a devida
importância, além de dar voz aos povos que estão sendo afetados pela
desigualdade, destruição do meio ambiente e ausência de direitos
inerentes a esse sistema econômico.
Sob o chamado “Venha reinventar o mundo”, a Cúpula dos Povos
acontecerá no Aterro do Flamengo entre os dias 15 e 23 de junho, e
aceitará inscrições de pessoas e organizações a partir de abril. O
evento terá grupos de discussão autogestionados, uma Assembleia
Permanente e um espaço para organizações e movimentos sociais exporem,
praticarem e dialogarem com a sociedade sobre suas experiências e
projetos.
Fátima Melo, da ONG FASE-Solidariedade e Educação, que também integra
o Comitê Facilitador da Sociedade Civil Brasileira para a Rio + 20,
que está organizando a Cúpula dos povos, explica um conceito que
guiará o evento: “O conceito de justiça ambiental, que a Cúpula dos
Povos vai colocar em discussão, é a ideia de que os impactos
ambientais desse modelo recaem de forma mais dramática sobre as
populações excluídas, e elas não devem pagar o preço disso, mas devem
ter de volta o direito a seus territórios e à sua forma de se
desenvolverem”.

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