É hora da República Árabe Democrática Saaraui

Diálogos, acordos, plano de paz, ONU, reconhecimento da República Árabe Saaraui Democrática-Rasd-Saara Ocidental por dezenas de países, nada demove o Marrocos e aliados de continuar explorando o povo e o território saaraui. A Frente Polisário, organização que luta pela independência desde o final da colonização espanhola (1975), está no Brasil em busca de ampliar a pressão internacional para obrigar o Marrocos a cumprir o plano de paz acordado junto com a ONU em 1991 e terminar com a ocupação do território e as constantes violações dos direitos humanos do povo saaraui. A Frente Polisário quer o cumprimento do referendo para que o povo decida se quer continuar, ou não, subjugado pelo Marrocos.

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Segundo os representantes saaraui, são as últimas tentativas de resolver o conflito diplomaticamente, por vias pacíficas, pois está difícil convencer o povo, especialmente a juventude saaraui, de continuar esperando em meio ao fervilhar da Primavera Árabe na região. Mais da metade da população tem hoje menos de 25 anos! “Temos que ter algo mais convincente para responder ao nosso povo”, diz Karim Lagdaf, representante do governo saaraui no Brasil. “Nós, do Saara Ocidental, estamos imersos nesse processo (primavera árabe), e está sendo impossível controlar os jovens e tantos blogs, emails… Queremos impedir de sermos obrigados a buscar uma solução menos pacífica”.

Em 14 de março último aconteceu a última rodada de negociação com o Marrocos, para o cumprimento do tratado de paz, informa Karim. “Temos 104 presos em greve de fome hoje, pois estão detidos desde 2010, sem saber do que são acusados e sem julgamento algum. Temos 511 desaparecidos desde 1975, 680 pessoas presas atualmente”.

Parte de sua população está sofrendo as pressões diretamente, econômicas e culturais, nos territórios ocupados pelos marroquinos. Outra parte – cerca de 160 mil saarauis – vive em acampamentos, organizados na parte mais inóspita do Saara e no sudoeste da Argélia, sob constante pressão e vivendo de ajuda humanitária. E separadas entre si por um muro de 2700 km de extensão, construido pelos novos colonizadores, conhecido como Muro da Vergonha ou Berm entre os saarauis. Nos últimos anos, a capital de Saara Ocidental tem vivido situações de terror, impostas pelos agentes marroquinos que matam pessoas, usam da intimidação, a tortura e o desaparecimento forçado para espalhar pânico entre a população. Enquanto isso, a televisão mostra imagens de aparente calmaria nas zonas de colonos marroquinos.

“Eles tentam, mas não há assimilação cultural possível entre os nossos países”, diz Chaba Sini, do comitê executivo da União das Mulheres Saaraui. “Querem nos impor costumes e tradições do Marrocos, nos casamentos por exemplo. As mulheres saarauis são obrigadas a usar trajes marroquinos para sair nas ruas”. As escolas também passaram a ser diferenciadas para os marroquinos, onde estudam principalmente os funcionários da administração estão professores com mais titulação, por exemplo. “Qualquer criança que se manifestar a favor do povo saaraui é expulsa da escola nos territórios ocupados”, diz Karim.

Uma democracia avançada

“Nós estamos criando as bases de um Estado moderno, as crianças são muito importantes e a educação é um princípio sagrado”. Segundo os líderes saaraui, nos acampamentos é obrigatória a escola dos 3 aos 16 anos. Eles também têm muito orgulho de terem criado universidades, onde a presença feminina é de mais ou menos 35%. O machismo deixado pela Espanha franquista vem sendo superado, dizem eles.

“Somos uma sociedade de origem nômade, sociedades integradoras por necessidade”, explicam. “O trabalho sempre foi repartido entre homem e mulher, então o poder econômico é compartido”. Chaba confirma que as “mulheres tem desempenhado papel tão importante como o dos homens” na luta pela independência. São elas que controlam a vida nos acampamentos, “as dairas são dirigidas por mulheres, temos professoras, doutoras, enfermeiras, ministras, parlamentares”. A República saarauí está dividida em Wilayas e Dairas (Estados e municípios), e vem sendo construída, enquanto estrutura econômica, social e política soberana, desde 1975, quando a Frente Polisario proclamou a independência.

Custa dois milhões de dólares diários ao Marrocos manter o Saara Ocidental ocupado, segundo os saarauis. Qual seria o real interesse? Com 284 mil quilômetros quadrados apenas e uma população que não chega a 1 milhão, o Saara Ocidental tem um rico subsolo. “Temos grandes reservas de fosfato, temos as águas mais ricas em peixes do mundo (264 espécies), além de petróleo, ferro e urânio”, orgulha-se Karim. Além de sua posição geográfica estratégica, a República Saaraui mantém fortes relações com outros povos que lutam por soberania e liberdade. Membro da União Africana, a Frente Polisario apoia a causa palestina, enquanto a construção do Muro do Saara foi dirigida por experts israelenses, contém sistema sofisticado de detecção de movimentos fabricado em Israel. Tem ótimas relações com Cuba, “país responsável pela formação de muitos jovens saaraui sobretudo na área de saúde”, nos conta Chaba. O espanhol é a segunda língua saaraui.

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Busca pelo apoio internacional

Marrocos não está sozinho nessa, claro! Nem poderia sustentar essa ocupação, pois sua situação econômica tem piorado nos últimos anos, o turismo caiu muito, juntamente com a crise europeia. “A França hoje é o único país que defende abertamente a soberania do Marrocos sobre o Saara Ocidental. A França vê os saaraui como um país que apoia a Argélia”, analisa Karim. “Pagamos uma fatura que não é nossa, e a França faz com o Marrocos o que quer”.

Do povo espanhol, seus antigos colonizadores, os saarauis dizem ter uma solidariedade impressionante. Já o governo espanhol é outro forte aliado da monarquia marroquina e tem interferido e causado danos à luta, segundo os representantes saaraui. “Enquanto o PSOE tem boas relações com a Frente Polisario , o governo espanhol chegou a desmobilizar apoios que estavam sendo conquistados na América Latina, por exemplo”.
Por falar aqui do nosso lado, o Brasil é um dos poucos países latino-americanos que ainda não reconheceu a República Árabe Saaraui Democrática. Para nossa vergonha, junto com o Chile e a Argentina, apenas. Por isso, a Frente Polisario também está visitando os nossos vizinhos.

E a Liga Árabe, da qual o Marrocos faz parte, que nunca debateu, ou sequer pautou o assunto! Tentam manter o silêncio sobre a situação e a luta do povo saaraui, que pode modificar os contornos políticos da região. “Qualquer jornal internacional que falar do Saara Ocidental não entra no Marrocos”, fala Karim. Entretanto, as relações entre os países estão mudando, diz ele, depois da Primavera Árabe, ainda em curso. “Hoje, parte do mundo árabe defende o povo do Saara, já nos recebem”, continua. “O mundo árabe está em evolução, o povo marroquino está evoluindo também”. Eles contam que há marroquinos presos há 25 anos por defenderem o povo saaraui.

Este povo e causa não era conhecidos de ninguém, quando apenas tinham relações com a União Africana e a Argélia, que recebeu seus refugiados. “Hoje há organizações de direitos humanos no Marrocos e partidos políticos que condenam a política do rei, que tem utilizado a desculpa da ‘guerra’ para não atender as reivindicações de seu povo”. Enquanto o Marrocos ocupa o 130º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano, seu rei é um dos homens mais ricos do mundo.

As lideranças da Frente Polisario mostram-se otimistas, acreditando que uma pressão internacional ajudaria a por em curso o tratado de paz e realizar o referendo previsto por ele, que o Marrocos se nega a cumprir. “Os saarauis não vamos esperar indefinidamente o Marrocos decidir”, avisa o representante. “Existe um plano de paz decidido há 21 anos, queremos acreditar na via diplomática. Caso contrário, utilizaremos todos os meios possíveis, e temos inclusive voluntários”.

Romper o desconhecimento sobre esta causa, mostrar como os lados em luta hoje no planeta se posicionam naquele pedaço pobre da África, e buscar apoio diplomático e político são os objetivos da Frente Polisario nesta incursão por países possivelmente aliados e também junto a movimentos que apoiam a soberania dos povos. O destino do Saara Ocidental e de seu povo depende fortemente neste momento das relações e pressões internacionais. “A imensa maioria da América Latina e a totalidade dos países do Caribe reconhecem a nossa república. Somos otimistas em relação ao governo brasileiro. Queremos que a ONU faça cumprir as resoluções ou se declare incapaz”, finaliza.

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