Narrativas e diálogos – primavera árabe

Cheguei hoje (dia 25 de janeiro) ao Forum Social Temático, em Porto Alegre, nesta Babel de línguas e de sotaques circulantes pelas diversas faculdades da UFRGS, se espraiando pelos espaços do cais, pelas Casas de Cultura, por sindicatos, Largo Zumbi dos Palmares, Auditório dos Correios, do Ministério Público e outros mais. A dinâmica, naquele primeiro dia de atividades pós passeata e abertura oficial, foi se estabelecendo lentamente.

Quando eu consegui chegar ao local certo, a exposição dos participantes da mesa já tinha se encerrado, e estávamos na fase de debate.

Sentei-me e fui acompanhando as intervenções e respostas, ora em inglês de sotaque carregado, ora em francês, ora em espanhol e, finamente, em português. Mas, diferentemente da Babel original, todos ali pareciam se entender, embora vez por outra solicitassem ou esperassem uma tradutora (essa costuma ser uma função predominantemente feminina).

O tema central vinha da sede que a platéia tinha de conhecer os fatos por quem os viveu, ou que deles tivesse uma versão mais confiável e detalhada do que a que passa pela nossa mídia.

As questões levantadas passavam pelos paralelos que poderíamos estabelecer com a América Latina, com processo de intervenção na Líbia, com o resultado eleitoral dos países árabes, com a participação dos/as trabalhadore/as e das mulheres nos levantes e das conseqüências e espaço depois das eleições nos países árabes.

Paralelos e compartilhamentos

Em resposta a quem queria visualizar paralelos e caminhos de apoio à luta Palestina, sempre presente não só neste debate, como em vários outros espaços do Forum Social Temático, a mesa enfatizou a importância do apoio e do reconhecimento de vários grupos do mundo árabe.

Apontou também a importância da negação do conceito norte-sul, imposição do capitalismo ocidental, eurocêntrico. Estamos todos ao sul. Temos que abandonar estas definições e começar a falar em seres humanos que querem justiça, dignidade para todos. Todos conta o regime capitalista, contra a colonização.

Entretanto, frente a um capitalismo feroz, não podemos falar de revolução árabe enquanto ela não nos tiver oferecido um modelo.

Sobra-nos uma máxima que emerge do processo observado, e que um palestrante resume na fala – Cuando el pueblo se retira de la calle, la revolución se pierde.

E, com relação ao apoio que se pode dar, a mesa enfatiza a adesão ao boicote dos produtos fabricados em Israel, que seriam principalmente fabricados nos territórios ocupados, dizem eles.

A ação seria importante, tanto pela mensagem de descontentamento do mundo, que ela sinaliza, quanto pela quebra da economia israelense. A importância da ação também é sinalizada pela proibição de qualquer forma de expressão da campanha – camisetas com os dizeres, e outras – proibidas por Israel.

A revolução confiscada

Na comparação entre os processos que ocorreram na Tunísia e na Líbia, apontou-se que, na Tunísia, o capital internacional correu atrás da revolução que lá se instaurou, tentando conquistar um espaço. Já, na Líbia, está-se numa guerra, que resultou no governo atual. A sociedade civil deve começar a se organizar, mas não é o mesmo processo.

Da primavera árabe ao outono islâmico

O resultado eleitoral na região do Magreb Machrek não chegou a realizar os sonhos maiores das mobilizações. Duas questões básicas foram discutidas – a eleição dos partidos da irmandade islâmica, e a não representação das mulheres no poder.

– Quanto a polemica da política islâmica, não pode ser ignorada, porque estão dominando em vários países – é preciso encontrar meios de conviver com os políticos que são críticos do islamismo.

O resultado das eleições, em diversos países, teria transformado a primavera árabe em outono islâmico, nos dizeres de um participante da mesa.

– In this affair we can put the Palestinian … yes I do agree that the difference
between … but all of these movement are against the capitalistic regime.

Entretanto, outro considerou ainda que, reconhecendo os diversos grupos e tendências, seria importante frisar que são todos anti-capitalistas. E, diante deste cenário, mais do que temer o islamismo político, o que se faz hoje necessário seria explorar alianças com segmentos islâmicos menos conservadores.

– We should find our way … now they are controlling the ground – they are winning in Egypt, etc., we could reach some agreement or some…

Mulheres e trabalhadores à frente

Buena parte de los mobilizados en las calles eran trabajadores y trabajadoras. Rapporto entre el mondo del trabajo y el resto.

É verdade. As mulheres e os trabalhadores e trabalhadoras representaram boa parte dos mobilizados. E chegamos a uma revolução, com as mulheres e os trabalhadores no centro do processo.

Entretanto, a organização política posterior não os contemplou devidamente,

A essencialidade e a solidão das mulheres.

Com relação à participação das mulheres, mais de uma vez se reafirmou que, de fato, elas estiveram na dianteira do processo de mobilização. Sem elas, este processo não se teria realizado com a grandeza que teve.

A mulher Tunisiana também desempenhou um papel fundamental.
Tunísia era o único país árabe onde a poligamia era proibida por lei. Hoje, depois das eleições, impõe-se lá a mesma lógica que nos demais países árabes, assim como restrições econômicas contra os trabalhadores e as mulheres.

As mulheres ainda têm um papel relevante no processo destes países. Mas, segundo os palestrantes, elas precisariam hoje fazer o seu próprio movimento social, sem esperar a iniciativa dos demais.

Baby Siqueira Abrão, brasileira correspondente do jornal Brasil de Fato que cobre a Palestina, reforça esta necessidade, apontando o que ela identifica como discriminações quase naturalizadas pelas próprias mulheres – que necessitam de um interlocutor masculino, a quem cabe a última palavra e o privilégio de interromper ou encerrar a conversa. Assim como já se instauraria a lei da shariah no Egito.

Assim, parafraseando a máxima da mesa sobre a importância do povo na rua, para que não se perca a revolução, diríamos que, o esforço solidário e visando o bem do conjunto da sociedade, do qual as mulheres tomaram a dianteira, não bastou para a mudança de sua situação.

E que faz-se ainda necessário não se retirar, ou retomar a rua, novamente por iniciativa das mulheres, esperando que ao menos alguns dos outros segmentos se sensibilizem com a causa, para que esta chance de revolução nos papéis atribuídos aos gêneros não se perca…

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