Redes livres atuando em redes

Provocadores da discussão no III FML

Como incluir os excluídos, de maneira que eles sejam os protagonistas de seus processos criativos e produtivos? Como consolidar o potencial da comunicação de ser um instrumento de empoderamento para todos? A partir dessas provocações, Alfonso Molina, diretor científico da fundação italiana Mondo Digitale, iniciou o debate na sexta-feira (27) no III Fórum de Mídia Livre (FML) acerca da articulação em redes de diversas redes.

“O tema já foi discutido presencialmente e em listas de emails, tivemos uma conversa na quarta (25) sobre isso, essa é uma demanda do Conselho Internacional do Fórum Social Mundial – ou seja, esse é um grande debate para 2012”, explica Marco Amarelo, integrante do Coletivo Soylocoporti que mediou o encontro. O objetivo é chegar a um acordo de princípios e práticas que permitam que as várias redes dialoguem e criem uma articulação ampla, plural e descentralizada, por isso o termo “redes em redes”.

Nesse sentido, Alfonso acredita que precisamos promover alianças entre movimentos, ONGs, governos e cidadãos para trazer à tona nossa multidimensionalidade e criar processos que nos permitam mudar o mundo – não em um ano ou dois; talvez em uma década, possivelmente nesse século. “Precisamos aprender a governar da melhor e mais democrática forma possível, e a comunicação é essencial nesse sentido, de propiciar o diálogo para os problemas concretos”, complementou Alfonso.

Redes em redes

Uma das preocupações é a construção de alternativas de comunicação para que não continuemos dependentes das redes sociais proprietárias, tendo em vista que cedemos para seus donos os direitos de todo o conteúdo que publicamos nelas. Há casos de venda de informações privadas dos usuários e censura de notícias referentes aos movimentos sociais – daí a emergência das redes livres.

Rodrigo Nunes Souto, da Coolivre – cooperativa baiana de software livre que também atua com economia solidária, ressaltou a importância do fortalecimento que o ambiente virtual tem propiciado ao ambiente real. “Estamos sim utilizando as redes sociais para mobilizar os movimentos reais, mas acabamos ficando dependentes de ‘Twitters’ e ‘Facebooks’”, problematiza.

Ele defende que a grande sacada seria criar protocolos comuns, acordos entre as redes que permitam a comunicação entre as diversas iniciativas, que não gerem dependência de uma única plataforma mas promova o diálogo entre as diversas redes. “Mais importante que discutir a ferramenta é pensar o protocolo, as práticas comuns, que é o que vai permitir que nos comuniquemos”, complementa.

“É necessário confederar, e não federar, porque trata-se de uma articulação, não da criação de uma nova estrutura que se coloque acima das outras”, defende o francês François Soulard, da Coreden , uma rede internacional de comunicação popular e desenvolvimento de novas práticas democráticas. A confederação entre redes na França foi consolidada num encontro entre vários grupos e terminou numa carta que aponta princípios, objetivos e ações, criando um agregador de conteúdos.

“Esses protocolos podem tanto ser tecnológicos como políticos”, adverte Thiago Skárnio, da Alquimídia. A ideia é, a partir das várias experiências, chegar a denominadores comuns de quais são os princípios políticos que guiarão essa confederação. “Os movimentos acabam sendo várias ilhas, mas nossa causa é comum, podemos perceber isso aqui no Fórum, por isso a integração entre as várias redes é tão importante”, analisa Rafael Reinehr, da cooperativa catarinense Coolmeia. Ele defende que a convergência de redes seria uma verdadeira moeda social, porque os benefícios seriam comuns.

“A grande diferença dessa rede que está sendo construída é que os participantes são tanto produtores quanto consumidores de conteúdo, derrubando essa barreira entre emissor e receptor”, defende Hélio Paz, professor de Comunicação Digital da Unisinos.

Pontos de partida

Entre as muitas plataformas de rede que vêm se consolidando está o Noosfero, utilizado pela Rede Brasileira de Economia Solidária. Bráulio Barros de Oliveira, do Coletivo Eita – Educação, Inclusão e Tecnologia para Autogestão, é programador de tecnologias de caráter social e participou do desenvolvimento do Noosfero.

O Noosfero é uma rede social e econômica – serve como vitrine de produtos e veículo de compra e venda. Também é possível ter blogs no Noosfero, assim como postar documentos. “Existem vários ‘Noosferos’ que estão isolados – redes como a do Movimento Software Livre, Cirandas e Fora do Eixo. O desafio que se coloca é como conectar esses ‘vários Noosferos’, incluindo também ‘Facebooks’ e ‘Twitters’, propiciando alternativas de redes sociais”, indica Bráulio. Uma maneira é confederar as iniciativas, de modo que um mesmo login seja utilizado para o acesso a diversas redes, e que uma puxe conteúdo da outra, criando uma teia de redes livres.

O Eita está trabalhando em outras implementações da plataforma, que responde à demanda dos coletivos de consumo consciente e cooperativas de economia solidária. O objetivo é permitir que os produtores se conectem diretamente aos consumidores suprimindo os atravessadores, combinando compra e venda com moedas de troca.

Uma sugestão, feita por Rafael Reinehr, é o uso de uma mesma plataforma de reunião por várias iniciativas, como acontece no Movimento Zeitgeist – ao acessar uma sala digital de reunião, é possível ter acesso às outras reuniões, permitindo escolher entrar e conhecer qualquer uma delas, como se fossem portas abertas num grande corredor.

Renato Fabri, do Lab Macambira, indicou a análise da Carta Mídias Livres, resultado do processo de seleção do segundo Prêmio de Mídia Livre, lançado pelo governo federal. A carta foi construída pela comissão de avaliação do prêmio e é considerada referência do que é mídia livre.

Outro exemplo de plataforma de democracia participativa é o Delibera, desenvolvida pela Ethymos Soluções em Web em parceria com o Lab Macambira, que foi implementada pela Ethymos para a Relatoria Especial da ONU pelo Direito à Moradia, uma rede que atua em mais de 90 países.

“O objetivo é que façamos um debate amigável, que abranja as diferentes contribuições em torno de princípios e objetivos comuns”, indica Rita Freire, da Ciranda Internacional de Comunicação Compartilhada.

Próximos passos

Para dar continuidade à articulação das redes e apontar ações, definiu-se a criação de um documento virtual colaborativo para que os interessados possam seguir trabalhando juntos (confira também a introdução desse debate, elaborado coletivamente).

Outra ação necessária será mapear e sistematizar as informações referentes às redes livres.

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