A criação da Comissão da Verdade no Brasil parece mais uma resposta às pressões de instituições internacionais de defesa dos direitos humanos do que uma vontade brasileira de analisar e construir sua memória histórica.
É díficil imaginar como este recorte histórico será construído pela Comissão. Com sete membros e 14 auxiliares, o órgão trabalhará dois anos analisando casos graves de violação de direitos humanos praticados no Brasil entre 1946 e 1988. O número de pessoas e o prazo para a examinação são insuficientes para um retrato significante, principalmente, aquele referente aos crimes cometidos durante a ditadura militar.
Quais serão os critérios para definir a gravidade dos casos selecionados? Morte? Delinquência? Técnicas de tortura? A Comissão pode esperar muito trabalho pela frente. Em seu livro The Politics of Military Rule in Brazil (A Política do Regime Militar no Brasil), o acadêmico americano Thomas Skidmore menciona dados de um estudo dos arquivos da justiça militar que foca em 695 dos 707 julgamentos ocorridos entre abril de 1964 e março de 1979. Segundo ele, haviam 7.367 réus sendo que, desses, 1.918 denunciaram tortura.
Construir uma memória histórica dos fatos está aquém do que os assassinados e as vítimas de choque elétrico, afogamento, espancamento, entre outros, merecem. Seria primordial que os trabalhos da Comissão levassem à punição dos criminosos.
Portanto, é precupante a decisão do STF em favor do perdão que o artigo 1 Lei da Anistia dá aos representantes de Estado (policiais e militares) acusados de praticar tortura. Não é segredo que a lei foi aprovada em 1979 servindo aos interesses dos militares. Vinte e seis anos depois do fim do período repressivo autoritário, o legislativo, o judiciário e o executivo não se preocupam em questionar o sinificado de tal regulamento como instrumento normativo de uma democracia.
O ministro Cezar Peluso afirmou que “se é verdade que cada povo resolve seus problemas históricos de acordo com sua cultura, com seus sentimentos, com sua índole e também com sua história, o Brasil fez uma opção pelo caminho da concórdia”. Levando em consideração que a história brasileira é repleta de paradoxos, só podemos esperar por uma mudança de mentalidade.
Neste sentido, países vizinhos como Argentina, Peru e Chile fizeram muito mais para mudar a memória nebulosa de suas histórias. Ao fim do trabalho das suas Comissões da Verdade, ex-presidentes, militares e policiais foram presos respondendo pelas violações de direitos humanos cometidas.
Em seu livro Rethinking the Military Politics: Brazil and the Sothern
Cone ( Repensando a Política Militar Brasil e Cone Sul, Alfred Stepan, acadêmico americano que há décadas escreve sobre o regime militar na America Latina, afirma que o militarismo nestes países deixou legados nas relações civis-militares que são poderosos obstáculos, ambos ideológicos e práticos, para as difíceis tarefas de estender e consolidar o regime democrático.
É preciso corrigir erros para a construção de uma memória histórica pertinente e alinhada com princípios democráticos. Da forma como foi criada, a Comissão da Verdade brasileira pode acabar sendo mais uma página “pra inglês vê” da história do Brasil.