A soberania popular brasileira e o Pré-sal

A soberania popular brasileira e o Pré-sal

14 de setembro de 2009, da Pampa Federal de Valentes & Traídos, Bruno Lima Rocha

O tema em pauta diz respeito tanto ao futuro das reservas brasileiras para os próximos 50 anos como a possibilidade de diversificarmos as matrizes energéticas com o fôlego da nova exploração. Mas, tudo depende de como será o modelo exploratório nas já devassadas águas internacionais do Brasil. Estabeleço um debate neste artigo, fugindo de rótulos e chavões, quase sempre mal lidos e mal intencionados. Estou de acordo com a exploração estatal de 70% do combustível fóssil abaixo da camada de sal. Mais, estou de acordo com alguma forma de capitalização da Petrobrás, nas franjas das reservas do pré-sal infelizmente já licitadas para companhias privadas. Neste sentido, também entendo ser a criação do Fundo Social uma necessidade para terminar com a divisão de tipo oligárquica dos royalties do petróleo.
Estou de acordo com tudo isso e considero que todas estas decisões não são o bastante. O que este país necessitava nessa altura da partida era de um movimento popular extra-governo, peleando duro pela retomada do controle do Estado brasileiro na Petrobrás. Sim, porque embora pouca gente saiba, o governo central tem o voto de minerva no conselho administrativo da empresa, mas seu capital está em 38%. Acionistas privados controlam 62% do capital social da empresa. Destes, 38% estão girando na roleta russa da Bolsa de Nova Iorque, justo onde se deu o maior montante da mega estafa financeira que os capitalistas ousam em chamar de “crise”.

Neste momento, a defesa incondicional do controle da Petrobrás implicaria em derrubar algumas leis e aprovar outras. Isto para esta etapa reacionária em que vivemos (governados por um sindicalista que nunca foi de esquerda, segundo ele mesmo), onde para arrancar um direito é preciso quase perder a vida.

Breve retrocesso no tema pré-sal agendado pela mídia corporativa

Embora o tema tenha sua complexidade, pode passar por uma análise de correlação de forças e de intencionalidade. O Brasil descobre em sua área oceânica reservas que permitirão a auto-suficiência de extração e refino talvez para os próximos cinqüenta anos. Esta “descoberta” é uma meia verdade, pois bastaria com aplicação de maiores recursos na própria Petrobrás quando do início do primeiro governo do sociólogo que recomendou esquecerem o que ele escreveu, Fernando Henrique Cardoso, e o pré-sal seria corriqueiro. Não foi o que aconteceu. FHC leiloou campos de exploração, incluindo aqueles em alto mar. Como águas profundas implicam em alto risco e investimento (conceitos esses abolidos no capitalismo real), nenhum dos 72 grupos econômicos atuando no país nas áreas de exploração e produção de petróleo e gás – sendo que metade destes é composta por transnacionais – não meteram a mão no bolso e preferiram seguir carona na então dilapidada Petrobrás, gerenciada num toyotismo em alto mar e que levara a conseqüências desastrosas como o afundar da Plataforma P-36 no fatídico 20 de março de 2001. Junto com a maior plataforma do mundo, a “eficiência neoliberal” assassinou a nove trabalhadores petroleiros especializados.

Naquele ano já se passavam quatro desde que uma lei terminara com o monopólio estatal da exploração e fabricação do petróleo. Agora, a agenda imposta é a da exploração de cerca de 70% do pré-sal. E, ao mesmo tempo, o silêncio em pauta é quanto à possibilidade de modificar a base legal, aprovando uma minuta de lei em detrimento do texto vende-pátria de 1997. Vejamos os porquês da viabilidade de explorarmos o petróleo sem abrir a participação para o capital privado e menos ainda para as transnacionais.

Trata-se de alto investimento para iniciar a exploração, mas nada que se compare com a incerteza claudicante da Petrobrás até o início de exploração de petróleo em águas profundas. Estamos em um momento muito mais favorável. O país, através da executora do monopólio por 44 anos (1953 a 1997) aprendeu todo o ciclo da pesquisa, extração, exploração, refino e distribuição do petróleo e seus derivados. Nós sabemos e temos expertise mundial na exploração em águas profundas. Portanto, não caberia nenhum argumento de tipo “técnico”. O debate é outro.

A amarra no Brasil está na ordem legal. A Lei 2004 de 03 de outubro de 1953 cria o monopólio estatal, incumbindo a Petrobrás da execução do mesmo. Esta segurança jurídica da soberania brasileira não impediu a empresa de sofrer pressões sem fim, agravadas com a presença de homens da caserna durante a ditadura. Me recordo que nos anos ’80, sindicalistas petroleiros ainda comentavam sobre a presença dos “coronéis da Petrobrás”. Como toda empresa capitalista, de Estado ou não, a estatal petroleira tem no seu fluxograma a base organizacional de um exército. Não há democracia interna, e nem sombra disso. A crítica vem por aí e já retorno ao tema.

Ainda assim, sob influência da ditadura ou do governo de turno, ninguém em sã consciência pode afirmar ser a estatal “incompetente” na sua atividade-fim. Já na era democrática, entendo que o país sofreu uma derrota quando da assinatura da Lei 9478 de 1997. Neste texto, com firma de FHC, é “flexibilizado” o monopólio estatal da exploração e criada a Agência Nacional de Petróleo (ANP). Toda a atual insegurança jurídica deriva daí. Para assinar o mesmo, em maio de 1995, FHC e sua trupe encararam uma briosa greve da categoria dos petroleiros. Derrotaram também uma direção nacional claudicante que acreditou no retorno às negociações diante da Justiça do Trabalho, quando esta mesma instância já havia dado ganho de causa ao então governo tucano. Para quem imagina ser exagero nas críticas, sugiro conversar com os veteranos de plataformas afiliados ao Sindicato dos Petroleiros do Norte Fluminense e/ou com os demitidos do início dos anos ’90.

De volta ao governo anterior, constatava que o trabalho feito por FHC dava seqüência ao Plano de Desestatização, abrindo mão o país de seus recursos estratégicos. O mesmo ocorreu de forma simultânea com a siderurgia, através da Venda da Usiminas, com Collor; da CSN, com Itamar e da Vale do Rio Doce, com FHC. A base transacional no Congresso Nacional manteve suas práticas, alterando apenas a modalidade. Se neste governo o modelo foi através de supostos pagamentos mensais, no anterior o leilão de votos ia comprando as cabeças do baixo clero por votações estratégicas. Dentre estas, a de junho de 1995 (logo após a derrota dos petroleiros), uma emenda constitucional abrindo mão do monopólio estatal do petróleo.

Pautando o tema sob outro ângulo

O governo de Luiz Inácio, como sempre, claudica e apanha por direita e por esquerda. A oposição e os governadores detentores dos royalties defendem o adiamento do regime de urgência no Congresso. Já os participantes da Campanha O Petróleo Tem Que Ser Nosso, questionam a mesma pressa em função da permanência dos regimes de partilha e concessão, além dos leilões de campos de petróleo, ainda que por outras vias. Se não fosse pela vacilação de sempre, e este governo poderia inaugurar uma nova era na matriz energética nacional. Com o perdão da redundância, outra vez, não será dessa vez, assim como não foi com o Sistema Brasileiro de Rádio e TV Digital (SBTVD), abrindo mão do padrão tecnológico e a possibilidade de domínio completo da cadeia da micro-eletrônica. Na seara da energia, estamos apenas um pouco melhor do que a relação de forças entre a agricultura camponesa, de base familiar e plantando 70% do alimento por nós consumido, e o tal do agro-negócio, consumindo bilhões de financiamento, exportando em navios graneleiros transoceânicos e importando, com esse dividendo, se muito, algumas traineiras de bens de alta tecnologia.

Retornando ao tema do pré-sal, se nós estamos entrando na era da energia limpa, é mais do que necessária a reserva de combustível fóssil, até para modificarmos a matriz energética e de transporte sem passar por crises de escassez. Para tanto, é necessário que a nação possa opinar a respeito deste tema estratégico. Isto implica retomar a soberania no planejamento de exploração e produção de petróleo. Portanto, precisamos na verdade, não de uma acomodação de interesses, mas sim da revisão da Lei 9478/97. E, infelizmente, isto esse governo não vai fazer.

Concluindo com plebiscito e debates de fundo

Precisamos ir ainda mais longe. Não apenas derrocar a Lei de 1997, como termos um plebiscito para aprovar o Projeto de Lei No. 5891 – de 2009, proposta que torna lei o retorno da Petrobrás como empresa pública e a re incorporação das subsidiárias vendidas no famigerado programa de desestatização (a íntegra do texto se encontra aqui neste hiperlink). Uma lei como essa, embora seja básica e necessidade urgente, não se conquista com negociações de gabinete, mas sim com a força e grito das ruas. Tal como foi na campanha O Petróleo é Nosso, tal como sempre será neste sistema e sob qualquer regime de intermediários profissionais como governantes de turno.

É necessário recordar que nenhuma dessas medidas assegura a horizontalidade nas relações de trabalho, a produção de energia limpa, a maior vinculação da Petrobrás com as empresas semelhantes na América do Sul e tampouco erradica a mentalidade de transnacional de dentro de sua diretoria. Esta pauta é um ponto na luta pela soberania popular no destino e planejamento dos recursos naturais, renováveis ou não, sendo que o petróleo é um deles. Ter o poder de pautar os assuntos estratégicos do desenvolvimento é importante, mas ainda maior relevo consiste em pautar o tipo e as bases do desenvolvimento dos brasileiros.

O fundamental é assumirmos que nenhum dos temas acima é menos importante do que a defesa do Petróleo Tem Que Ser Nosso, mas que sim, para isso, é fundamental reconquistar ao menos o status de empresa estatal (equivocadamente chamada de “pública”) e erradicar o regime de economia mista. Já seria um grande avanço, a altura da categoria petroleira, aquela que já foi a espinha dorsal do sindicalismo brasileiro.

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