Em pauta, democratização da mídia

No último dia 1º de agosto, realizou-se no Seesp (Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo) seminário cujo objetivo foi a construção de propostas da sociedade civil não-empresarial para a Conferência Nacional da Comunicação – a se realizar entre 1º e 3 de dezembro deste ano, em Brasília. Além disso, a iniciativa visou estimular a ampla participação dessa parcela da sociedade em todo o processo, cuja finalidade precípua é a democratização da mídia. Promovida pela comissão paulista pró-conferência, que reúne mais de 60 entidades, abordou o tema “Da comunicação que temos à comunicação que queremos”.
Na parte da manhã, o jornalista Altamiro Borges, autor do livro “A ditadura da mídia”, indicou o cenário absolutamente concentrado da comunicação em todo o globo. “São nove grandes conglomerados no mundo, que têm abaixo de si 40 rádios, TVs, jornais e revistas, sendo quatro na América Latina. O poder econômico e ideológico da mídia é muito forte.” Assim, conforme Borges, sua capacidade de manipular informações e forjar comportamentos é grande. Para tanto, por vezes, basta ocultar dados. “Como disse Gramsci (político e intelectual italiano), conforme as instituições burguesas vão se fragilizando, a imprensa passa a ocupar o lugar de partido do capital. A mídia elege e derruba presidentes, agenda a política, decide o nosso papo cotidiano e quando quer, cria neuroses.”

Essa é a arena pública de debate hoje, apontou a também jornalista Bia Barbosa, do Coletivo Intervozes. “Um espaço privatizado e de defesa de interesses particulares em que o direito à comunicação, garantido pela Constituição Federal, é violado sistematicamente.” O cenário de concentração da mídia que se torna terreno fértil para tanto é possibilitado por um marco regulatório desatualizado, que data do início da ditadura militar no Brasil, como constatou Barbosa. Contribui também para esse quadro antidemocrático, ainda segundo ela, o processo de licitação das concessões de radiodifusão no País, em que a definição se dá pelo poder econômico. “O serviço é explorado como as empresas bem entendem, com pouquíssima ou nenhuma fiscalização e regras, inclusive à renovação das concessões, que ocorre de forma automática.” Como resultado, disse Barbosa, não há garantia do acesso à comunicação. Com isso, como destacou, a imagem da mulher na TV não dá conta da diversidade do universo feminino, o movimento sindical é invisibilizado, o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), criminalizado. Lurdinha Rodrigues, da LBL (Liga Brasileira de Lésbicas), acrescentou: “A população negra é violentamente discriminada, a indígena não existe.” E há vários exemplos de preconceito contra homossexuais. Outro problema é o incentivo ao consumismo desenfreado. A publicidade tem papel preponderante nesse sentido, lembrou Borges. Procura vender “um modo de vida, uma visão individualista”.

Construir bandeiras

Mas, será que essa mídia não tem vulnerabilidades? Tem, afirmou Borges, até em função das mudanças tecnológicas. Ademais, devido às lutas dos movimentos, “vários governos mais ousados ou mais moderados vêm tomando medidas de democratização dos meios de comunicação. Aí se encaixa a conferência”. Não obstante, o jornalista foi taxativo: “Não podemos nos iludir com a mídia que está aí.” Para ele, não há como democratizá-la. É preciso garantir instrumentos para denunciá-la, bem como criar e fortalecer os veículos alternativos, rádios comunitárias e demais iniciativas contra-hegemônicas. Rodrigues propôs a criação de instrumentos institucionalizados de controle social.

Na ótica de Barbosa, entre outros pontos, é ainda necessário assegurar regras de propriedade dos meios de comunicação, fortalecer o sistema público, instituir um órgão regulador no Brasil, trabalhar junto às escolas para que formem crianças e adolescentes com visão crítica e criar nova regulamentação para a radiodifusão comunitária. “Temos que definir nossas bandeiras para permitir a construção de uma comunicação que estimule a diversidade, pluralidade e talento do povo brasileiro”, asseverou Borges.

O momento é propício para isso, como enfatizou Rodrigues. “É muito rico e diverso. E, nesse processo de construção da conferência, é necessária a participação efetiva do conjunto da sociedade. É fundamental também vontade política dos governantes para que a mudança possa acontecer.”

Jerry de Oliveira, presidente estadual da Abraço-SP (Associação Brasileira de Rádios Comunitárias de São Paulo), concluiu: “A conferência será apenas um espaço em que vamos definir políticas públicas para a área e vamos colocar as contradições da propriedade privada. Será um espaço de luta de classes e precisamos afinar nossas propostas. Os meios de comunicação têm que estar a serviço da sociedade e não do lucro.”

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