Liberdade e Direitos Humanos da população negra: 120 anos depois

Quem és tú? Qual a origem de vossa família? És herdeiro. De quê? O que comes? Bem? De tudo? E teus lazeres. Dos melhores? Fazes uso fruto do que produz? Tu e os teus, tens acesso ao que constroem? Tua pele tem especial proteção solar? Ou teus olhos sujeitos à dor diante da luz? Teu cabelo lhe protege mais o couro que as orelhas? Teu sotaque arrasta a origem? A riqueza de sua terra fez de tu herdeiro de dádivas? Quem és tu?
                           Douglas E. Belchior

 

Liberdade e Direitos Humanos da população negra:
120 anos depois
 
2008 foi um ano de marcas temporais simbólicas que sinalizam a busca por justiça humanitária e pela efetivação da democracia no Brasil e no mundo. Já no início do ano, em 13 de Maio, vivemos no Brasil o aniversário de 120 anos da abolição formal da escravidão de africanos e seus descendentes.
 
Outubro de 2008 marca o aniversário da Constituição Brasileira, promulgada no 5º dia daquele mês do ano de 1988. “Não é a Constituição perfeita, mas será útil, pioneira e desbravadora. Será luz, ainda que de lamparina, na noite dos desgraçados”, disse Ulisses Guimarães, presidente da Assembléia Constituinte, no ato de promulgação da nova carta magna. Em pleno século 21, percebe-se ainda apenas a luz de lamparina que não ajuda a sociedade a enxergar diante da efetivação dos direitos garantidos em nossa avançada Constituição.
 
Em 10 de Dezembro, outro importante marco: os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Seis décadas de anseio e busca pela liberdade de expressão, de pensamento e de luta pela igualdade e respeito a todas as pessoas, indiscriminadamente.
 
Neste curto espaço de reflexão, voltaremos o olhar às questões relativas à temática étnico-racial, o que no 120° aniversário de instituição da liberdade formal e generalizada aos cidadãos, independente da origem ou etnia, nos parece extremamente importante. Percebe-se, a partir da leitura dos dados de nossa realidade que, apesar desse longo período de “liberdade”, a discriminação étnico-racial, somada à desigualdade e a pobreza que atinge negros e negras no Brasil, permanece como elementos marcantes de nosso dia-a-dia.
 
A busca dos movimentos sociais e do Movimento Negro pela efetivação dos direitos humanos e da justiça direcionada à população negra nos fez avançar e alcançar importantes vitórias no que tange a elaboração de políticas públicas. Uma análise dos resultados dessas políticas públicas é importante para que se possa qualificar e compreender a real situação dos negros no Brasil.
 
Tem importância a lembrança de que a situação social concreta da população negra brasileira e, tanto a ação quanto a inércia do Estado e do grande poderio econômico, sempre encontrou embasamento teórico que justificasse incursões preconceituosas e racistas. As desigualdades econômicas, materiais, educacionais e de acesso efetivo à cidadania sempre mantiveram forte dimensão étnico-racial.
 
Uma simples leitura que tenha como objeto a evolução das condições de vida de negros e brancos nas últimas décadas, a partir de estudos demográficos, educacionais, e no mercado de trabalho evidencia a permanência nas condições de pobreza, além da cristalização das desigualdades étnico raciais.
 

Pensamento e ideologia racial
 
O processo de construção de “nossa” colônia portuguesa deu-se partir da utilização direta de um princípio subjetivo – de efeito prático -, amplamente reconhecido: o racismo. No entanto, não foi a partir de um pensamento racista sistematizado que a valorização do homem branco e sua cultura se estabeleceram.
 
Donos de uma visão hierárquica e privatista da sociedade, os defensores da escravidão carregavam um conjunto de estereótipos negativos em relação ao negro. A tendência em reconhecer no ser negro uma natural inferioridade contribuía e justificava a defesa da escravidão.
 
A escravidão foi o germe do nascimento do racismo brasileiro, no entanto, é na pós-abolição que tomam forças teses de inferioridade biológica de negros e negras. Esses pensamentos passam a nortear as ações e projetos sob a justificativa do desenvolvimento nacional.
 
O “racismo científico” enquanto tese de diferenciação racial, passa a ser reconhecido pelas elites brasileiras a partir da década de 70 do século XIX. Tornaram-se amplamente aceitas entre as décadas de 1880 e 1920. As desigualdades naturais então defendidas seria o principal elemento diferenciador das raças. A população negra estaria então marcada pelo estereótipo negativo e pelo preconceito étnico.
 
Tais conceitos sociais interfeririam na definição dos potenciais individuais e levariam para os espaços político e social a idéia pré-concebida de que a participação de negros e negras não poderia ser aceita ou entendida sem a existência de restrições.
 
Acentuam-se as dificuldades quanto à participação dos negros e negras nos espaços públicos, bem como se aprimoram os mecanismos discriminatórios. O branqueamento da população, conciliando a crença da superioridade branca com a busca do desaparecimento do “ser negro” transforma-se em elemento subliminar das ações do Estado.
 
A ausência de políticas públicas para negros e negras livres e ex-escravizados é a principal marca desse período. Ao contrário, notam-se iniciativas que foram fundamentais para que a integração de negros e negras se restringisse a espaços desprestigiados pela sociedade. Como exemplo deste tipo de “condenação”, podemos lembrar a política de incentivo a imigração européia, prática intensa – não apenas por coincidência – durante o mesmo período em que os ideais racistas tornam-se mais efetivos.
 
A entrada em grande escala de imigrantes europeus em nosso país é elemento explícito, como já amplamente abordado em nossa historiografia, da prática da ideologia do branqueamento, o que alojou a população negra na subdimensão do florescente mercado de trabalho livre e assalariado. Ainda antes, diversas medidas governamentais deixavam clara a opção pela eliminação da população negra do contexto social. A lei nº 601/1850, conhecida como Lei de Terras, aprovada no mesmo ano em que se determinou a proibição do tráfico de escravos (Lei Euzébio de Queiroz), significou importante restrição às possibilidades de acesso à terra por parte da população negra.
 
O período pós-abolição foi marcado pelo desenvolvimento econômico casado à urbanização e às tentativas de desenvolvimento da indústria e do comércio, em especial na região do sudeste brasileiro. No entanto, as oportunidades geradas por esse processo de desenvolvimento ficaram restritas à população não-negra. Os preconceitos enraizados pela sociedade branca após quase 400 anos de escravidão acabaram por construir uma consciência de inferiorização do trabalhador negro, o que ampliava a expectativa relativa à chegada de trabalhadores europeus.
 

As distorções e o desequilíbrio na distribuição das oportunidades notadas durante o processo de inclusão econômica foram fundamentais para a cristalização de um quadro desolador na realidade social da população negra.
 
Os efeitos das teses de supremacia racial, reconhecidas até o final dos anos de 1920, seguido da adesão a uma outra grande tese, agora cravada no relacionamento cordial e pacífico entre as etnias européia e africana, consagrada no ideário da democracia racial de Gilberto Freire, acabou – ao contrário, por servir como combustível para a organização da resistência negra, através do teatro experimental do negro, do Rio de Janeiro, da Frente Negra Brasileira e de demais organizações. A resistência negra organizada se mantém até o advento da ditadura dos anos 60, quando os militares passam a proibir e perseguir nossas entidades e manifestações.
 
A questão étnico-racial retorna ao debate público nacional somente a partir da redemocratização e tem seu ponto alto no final da década de 1980, quando em 1988 se comemora os 100 anos da abolição da escravidão. É este também o ano da Constituição Cidadã, que traz entre seus avanços a formalização do direito à titulação de terras às comunidades tradicionais indígenas e quilombolas, além de tornar o racismo crime inafiançável. A partir daí, as discussões acerca da criação de mecanismos de combate efetivo a discriminação racial, acompanhadas da preocupação em alcançar formas reais de inclusão social dessa população toma corpo e ganha força.
 
Brasil: o país do Apartaihd camuflado
 
Aos 120 anos da abolição formal da escravidão no Brasil, o fruto da resistência alimenta a esperança da população negra brasileira. Ao contrário do que planejavam as elites nacionais, em especial a partir da pós-abolição, quando foram implementadas diversas ações no sentido de eliminar ou diminuir a presença negra no Brasil, percebe-se, na projeção do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), divulgada em maio de 2008, que ainda neste mesmo ano a população negra seria mais numerosa que a população branca. A partir do ano de 2010 o Brasil será, portanto, um país de maioria absoluta de negros e negras.
 
No entanto, apesar de constituir importante densidade humana, apesar de representar parcela fundamental da mão-de-obra trabalhadora deste país, responsável em grande parte pela construção de nossa riqueza econômica e cultural, os avanços em relação à situação social da população negra são pouco sentidos.
 
Ainda de acordo com projeções do IPEA, em pesquisa feita com base nos dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a renda média da população negra só se equiparará à renda da população branca no ano de 2040, caso haja uma permanência das políticas públicas dirigidas, atualmente em vigor.
 
Assim, as rendas de negros e negras só serão iguais à da população branca daqui a 32 anos. Hoje, negros ganham, em média, 53% da renda do branco. A taxa de desemprego entre os negros é de 9,3%, enquanto que a dos brancos é de 7,5%. Nos setores com menor remuneração a maioria dos trabalhadores é negra, caso da agricultura (60,3%), construção civil (57,9%) e serviços domésticos (59,1%).
 
Aos donos de olhares mais atentos, é comum a percepção de que existe uma seleção étnica na oportunização de empregos de médio e alto prestígio. São raros os casos de ocupação de chefias ou demais cargos importantes por negros e negras. A presença de negros em cargos de nível executivo nas maiores companhias brasileiras é de apenas 3,5%, segundo pesquisa do Ibope/Instituto Ethos. A situação das mulheres negras é ainda pior, uma vez que são vitimadas pelo duplo preconceito. A pesquisa realizada pelo Ibope/Instituto Ethos, de 2005, demonstra que mulheres negras ocupam menos de 0,5% de cargos executivos.
 
Na medida em que pesquisas sérias dirigidas à situação social são divulgadas, confirma-se a importância do racismo e do preconceito étnico como elementos fundamentais na divisão de classes sociais no Brasil. Os 10% mais ricos no Brasil detêm 75% da riqueza, demonstra o IPEA (Folha de SP 15/05/08). Ao mesmo tempo, a pesquisa “Retrato das Desigualdades”, também realizada pelo Ipea e pela Unifem, mostra que entre os 10% mais pobres, 71% são negros. “Há um embranquecimento da população conforme se sobe na pirâmide social”, diz Luana Pinheiro, coordenadora da pesquisa no Ipea. A população negra permanece, como vemos, compondo a grande massa precarizada socialmente em nosso país.
 
A conceituação do “racismo institucional”, ou “estrutural e sistêmico”, cujo qual opera na sociedade a revelia dos indivíduos, traz em sua prática o reforço dos estereótipos preconceituosos. O racismo, o preconceito e a discriminação operam sobre a naturalização da pobreza, ao mesmo tempo em que a pobreza opera sobre a naturalização do racismo, exercendo uma importante influência na situação do negro no Brasil.
 
Negros e negras: proibir estudar, proibir dirigir, impedir o levante
 
Pelas expectativas, voltaremos a ser um país de maioria negra. Como é possível ignorar as discrepâncias e os efeitos do racismo dirigido a uma população potencialmente majoritária em nosso país? Como aceitar que, apesar dos avanços sociais e econômicos vividos por nosso país durante todo o século XX, a população negra não tenha sido atendida em demandas tão essenciais como, por exemplo, no campo da formação educacional?
 
Há 32 anos, 5% dos brancos concluíam a educação superior. Os formados negros pouco passavam de 0%. Em 2006 cerca de 5% dos negros formava-se em cursos superiores. No entanto, mantendo a discrepância, 18% dos brancos atingiam esse nível educacional.
 
Hoje, a falta de acesso dos negros à universidade é um dos principais culpados pela imobilidade social. Não há duvidas de que, no Brasil, apesar dos avanços recentes e notados nas adesões a políticas de ação afirmativa para negros e cotas em algumas universidades, esta instituição ainda cumpre importante tarefa na reprodução das desigualdades raciais ao impedir a formação de uma elite negra e o acesso dos negros à elite intelectual do país.
 
Em nosso país, como demonstra um estudo realizado na Paraíba (onde se observou que praticamente todos os 120 universitários entrevistados afirmam que no Brasil existe preconceito, mas curiosamente a grande maioria não se considera preconceituosa), toda a população brasileira parece ter clara consciência da discriminação racial que se vive, mas não aceita a responsabilidade por esta situação. Sabemos que esse é o resultado de uma profunda ação ideológica sistemática. Mas que devemos combater.
 
É preciso, hoje mais que outrora, quando celebramos 120 anos do fim da escravidão, de uma disciplina ainda mais responsável e militante no combate a um tipo de racismo tão específico, fruto desses mais de 500 anos de construção do Brasil.
 
O Racismo como dimensão da luta de classes na sociedade brasileira
 
A Educafro, em especial nestes últimos 10 anos de organização em São Paulo, trabalha na perspectiva de constituir-se em uma organização de luta concreta do povo negro e não negros pobres. O eixo afro-étnico que norteia nosso olhar e ações, casado à questão da educação e do estudo, a cada dia parece mais eficaz no sentido de mobilizar pessoas de todas as idades, em especial a juventude, para as questões estruturais que sustentam as contradições e desigualdades sociais. No Brasil, etnia, gênero e classe interagem e definem quem são os oprimidos e os opressores. Dentre os oprimidos, não temos dúvidas, os/as negros/as são os/as que mais sofrem. A partir daí, a valorização da identidade étnica e o entendimento do racismo como “a mais perversa dimensão da luta de classes no Brasil”, surgem como fatores propulsores da mobilização e da rebeldia na maior parte da população brasileira.
 
“Em algum momento de 2008 a população negra será mais numerosa que a população branca (…) a partir de 2010 o Brasil será um país de maioria absoluta de negros” – IPEA – Disoc – 13.05.08
 
Neste momento de refluxo dos movimentos populares e do consenso de que devemos nos dedicar aos estudos e ao acúmulo militante no sentido de nos preparar para o levante, faz-se necessário uma releitura de nossa história.
 
O continente africano, subjugado em especial nestes últimos cinco séculos, foi submetido aos interesses dos povos “civilizados” – principalmente europeus. Entre os séculos XVI e XIX não menos que 15 milhões de almas foram arrancadas deste continente para a servidão do trabalho compulsório na América. Desta mão-de-obra escravizada e do próprio comércio de seres humanos negros, decorreu o acúmulo primitivo do capital suficiente ao impulsionamento da 1º Revolução Industrial e do Capitalismo. (Eduardo Galeano – Veias Abertas p. 92-94).
 
No Brasil, por quase quatro séculos, africanos e seus descendentes permaneceram escravizados. Sua natureza humana e índole guerreira fizeram com que resistissem permanentemente e de diversas maneiras à opressão senhorial. Enquanto houve escravidão, houve resistência e guardamos a República de Palmares e seu líder Zumbi como grande marco dessa história de lutas.
 
Mais eficaz que a política racista e higienista do Estado e seus dirigentes foi a resistência guerreira do povo negro e sua volúpia pela liberdade e pela vida. O Censo de 1890 contava 56% de negros no país. Em 1940, o total de negros havia caído para 35,8%. A substituição da mão-de-obra negra pelo trabalho livre assalariado branco foi imposta como necessidade para a modernização e para a purificação do sangue brasileiro, doravante ameaçado pela presença negra. Embora pareça absurdo, a ideologia racista tornou-se regra social. Em que pese o disfarce contemporâneo, nem sempre houve preocupação em esconder tal ideário. Veja a defesa do modelo pós-abolição defendido pelo economista progressista – referência da esquerda -, Celso Furtado:
 
(…) As vantagens que apresentava o trabalhador europeu com respeito ao ex-escravo, são demasiadamente obvias (…) cabe tão somente lembrar que o reduzido desenvolvimento mental da população submetida à escravidão provocará a segregação parcial desta após a Abolição, retardando sua assimilação e entorpecendo o desenvolvimento econômico do país.” (Celso Furtado – Formação Econômica do Brasil.1959 p.166)
 
As elites brasileiras se renderam às teses do racismo-científico. Sequer a embrionária esquerda ficou imune, segundo o trabalho do professor Sidney S.F.Sólis, apresentado no Secneb, em Salvador – 1984:
 
“Tanto no Rio de Janeiro quanto em São Paulo a imprensa anarquista não refletia nenhuma simpatia ou desejo de união com os negros, mas, pelo contrário, chegava mesmo a estampar artigos nos quais eram visíveis o preconceito racial(…) do ponto de vista ideológico surgia, já como comportamento da própria classe operária, os elementos de barragem social apoiados no preconceito de cor.” (Clóvis Moura, Sociologia do Negro, p.65.)
 
Em meados dos anos 1930, as teorias racistas perdem espaço, em especial a partir da obra Casa Grande e Senzala (best-sealer das elites), de Gilberto Freire. Surge a idéia do senhor bondoso e do escravo passivo e obediente. As relações pacíficas, cordiais e paternalistas, bem como a fácil e saudável miscigenação, alimentadas por mais de 350 anos de escravidão, tornaria impossível uma ação organizada e radical por parte do povo negro em relação ao opressor branco. Toma corpo e vende-se para o mundo a idéia do Brasil como a maior democracia racial do mundo. A Frente Negra Brasileira e o Teatro Experimental do Negro são dois dos poucos instrumentos de onde soam vozes dissonantes a esse ideário. Idéia essa, reformulada por Darcy Ribeiro em sua obra “A Formação do Povo Brasileiro”, que valoriza a “morenidade” e a mestiçagem biológica e, por conseguinte, nega a identidade étnica. Esse conceito é tão poderoso que ainda hoje norteia as relações raciais em nosso país.
 
Nos anos 50, 60 e 70, a partir dos estudos de Roger Bastide e Florestan Fernandes, entre outros, o Brasil é denunciado ao se retratar a violência das dimensões sociológicas, políticas e sociais às quais o povo negro brasileiro permaneceu tanto durante o escravismo quanto na pós-abolição:
 
“A sociedade Brasileira largou o negro ao seu próprio destino, deitando sobre seus ombros a responsabilidade de reeducar-se e de responsabilizar-se para corresponder aos novos padrões e ideais de homem, criado pelo advento do trabalho livre, do regime republicano e do capitalismo.”
 
“Não só não se processou uma democratização real da renda, do poder e do prestigio social em termos raciais. As oportunidades surgidas foram aproveitadas pelos grupos da ‘raça dominante’, o que contribuiu para aumentar a concentração racial da renda, do poder e do prestígio social em beneficio do branco.” (Florestan – O negro no mundo dos brancos – p. 46)
 
A ideologia dominante é uma ideologia branca. Um ideário composto por elementos da tradição, da cultura, do ser político, do estereotipo, da mentalidade e da religiosidade ocidental e branca européia. Nas palavras de Clóvis Moura, “um conjunto conceitual branco que foi e ainda é aplicado à realidade do negro brasileiro”. E é contra essa ideologia branca (que norteia a elite branca racista brasileira e internacional) que todos/as nós, negros e não-negros pobres, devemos nos voltar.
 
Homens e mulheres, negros/as e brancos/as pobres, pertencem a uma só classe. No entanto, sofrem de maneira diferente as contradições do sistema hegemônico, seja por via do racismo, do machismo ou da exploração econômica. Esse é o olhar necessário e urgente.
 
“Preconceito e discriminação racial estão presos a uma rede de exploração do homem pelo homem e o bombardeiro da identidade racial é prelúdio ou requisito da formação de uma população excedente destinada, em massa, ao trabalho sujo e mal pago(…) (Florestan, 1989, p.28)
 
Este é o momento do encontro, da roda e da palavra, elementos tão caros à cultura africana. Façamos, pois, deste momento, o novo. Ultrapassemos os equívocos, mas aprendamos com eles. Durante anos a questão étnico-racial foi desmerecida e reduzida a uma leitura estreita e classista pelos movimentos de esquerda. Por outro lado, é certo que tal desprezo, somado ao apego apenas à luta específica, acabou por distanciar o Movimento Negro da luta classista. Entendemos que classe e etnia são dois elementos explosivos e revolucionários que devem caminhar juntos.
 
Douglas Elias Belchior / Professor de História / Membro da Coordenação Nacional da Educafro
 
Referências Bibliográficas
O Perfil Social, Racial e de Gênero das 500 Maiores Empresas do Brasil e Suas Ações Afirmativas – Pesquisa 2005 – FGV-EASP – IPEA – OIT
REVISTA PSICOLOGIA POLÍTICA – A Face Oculta do Racismo no Brasil: Uma Análise Psicossociológica – Leoncio Camino, Patrícia da Silva, Aline Machado e CíceroPereira – 2000
Desigualdades raciais, racismo e políticas públicas: 120 anos após a abolição – Diretoria de Estudos Sociais (Disoc) – IPEA  – 13/05/08
Info Mensal nº 116 – Educafro
O negro no mundo dos brancos – Florentan Fernandes
Sociologia do Negro – Clóvis Moura
Veias Abertas da América Latina – E. Galeano
A Formação do Povo Brasileiro – Darcy Ribeiro
Casa Grande e Senzala – Gilberto Freire

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