Milhares ocupam Paulista em Dia da Consciência Negra


Foto Jesus Carlos – Imagem Latina

Milhares de pessoas participaram na última quinta-feira, 20 de novembro, das celebrações do Dia da Consciência Negra em São Paulo. A concentração para a 5a Marcha realizada na cidade teve início no vão livre do Masp, onde aconteceu um ato religioso e manifestações de diferentes partidos políticos e movimentos sociais. Depois do ato político, os manifestantes ocuparam a Avenida Paulista, numa caminhada até o centro da capital, encerrada em frente ao Teatro Municipal.

Neste ano, o Dia da Consciência Negra foi marcado por um conjunto de simbologias desta luta. Em 2008, completaram-se 120 anos da abolição da escravatura no Brasil. Uma abolição, segundo o movimento, inacabada, que, decretada por lei, não garantiu a integração do negro na sociedade, muito menos levou à reparação da tragédia histórica que significou a escravização por séculos de negros e indígenas. Para organizações que lutam contra o preconceito racial, o Estado brasileiro não assumiu a tarefa de desconstruir as estruturas racistas que remontam à formação de seu aparato colonial e que até hoje, combinadas às desigualdades econômicas, produzem abismos sociais.

Uma questão é fato: o Brasil está longe de ser uma democracia racial. E os números comprovam tal desigualdade. Na região metropolitana de São Paulo, por exemplo, segundo o Dieese, 60,3% dos negros não conseguem terminar o ensino médio. Apenas 3,9% conseguem acessar e terminar uma faculdade. O mesmo estudo mostra que a população negra trabalha mais, porém ganha menos. A cada R$ 4 reais gerados no país, R$ 3 ficam nas mãos dos brancos.

“A lógica das políticas universais, que tratam com igualdade grupos sociais que possuem históricos diferenciados de opressão e discriminação, já se mostrou ineficiente para o tamanho do desafio que temos pela frente. O Brasil precisa de ações contundentes e de políticas públicas de combate ao racismo”, disse o deputado federal Ivan Valente (PSOL/SP), presente à manifestação.

Um estudo recente do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) apontou que a taxa de homicídios entre os negros é o dobro da entre os brancos. A juventude negra é o principal alvo da violência generalizada, da violência policial, da tortura e do desrespeito aos direitos humanos. E as jovens negras são as que mais morrem por conseqüência de abortos mal feitos.

“Ainda há muito o que fazer. Temos que organizar a nossa luta, nas favelas, nas escolas, no samba, porque o racismo ainda está na ordem do dia, com o genocídio da juventude negra, a ameaça das transnacionais às terras dos quilombolas e tantas outras manifestações de discriminação”, avalia Milton Barbosa, do Movimento Negro Unificado. “O Brasil fez muita fez para comemorar os 100 anos da imigração japonesa. Onde está o monumento que reverencia o trabalho do negro que atravessou o Atlântico?”, questionou Maria Helena da Silva Brito, embaixadora do samba. “Queremos um país sem hipocrisia”, afirmou.

Conquista na Câmara dos Deputados

Enquanto os movimentos sociais manifestavam em São Paulo e em centenas de outras cidades pelo país, na capital federal o Plenário da Câmara aprovava um projeto há muito esperado pelo movimento negro: a lei que reserva no mínimo 50% das vagas nas universidades públicas federais para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas, com uma emenda que destina metade das vagas reservadas aos estudantes oriundos de famílias com renda per capita de até 1,5 salário mínimo (R$ 622,50) e outra metade para alunos negros, pardos e indígenas.

A divisão das vagas entre essas etnias seguirá suas proporções na população do estado onde é localizada a instituição de ensino, conforme o último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). As universidades terão o prazo de quatro anos para o cumprimento das regras, implementando no mínimo 25% da reserva de vagas determinada pelo texto a cada ano. O projeto segue agora para o Senado.

Se a aprovação da Lei de Cotas representou um avanço na Câmara dos Deputados, a tramitação do Estatuto da Igualdade Racial (PLs 3198/2000 e 6264/2005) segue pra lá de lenta. Entre as medidas previstas no Estatuto estão a instituição de ouvidorias que recebam denúncias de discriminação racial e a criação do Fundo Nacional de Promoção da Igualdade Racial. Mais de 100 mil assinaturas favoráveis à votação do projeto já foram entregues pelo movimento ao Congresso Nacional. O Estatuto, no entanto, segue encontrando barreiras para ser aprovado.

“Os negros construíram este país e por isso querem respeito. E respeito é ter direitos iguais”, afirmou Paulina Sacramento, Secretária Municipal de Combate ao Racismo do PT São Paulo. “Zumbi morreu em corpo, mas depois de 300 anos, suas idéias continuam vivas. Idéias de progresso e de igualdade para o povo negro”, completou o vereador eleito pelo PC do B Jamil Murad.

2008 marca ainda 100 anos da morte do escrito negro Machado de Assis e o centenário de nascimento do sambista Cartola e de Solano Trindade, pintor, poeta, ator, folclorista, teatrólogo, militante político e do movimento negro. A trajetória de Solano Trindade transformou a luta em defesa da cultura afro-brasileira, em suas múltiplas expressões, em jornadas pela dignidade do povo negro, contra as injustiças sociais e a opressão. Neste ano, também foram homenageados o centenário da umbanda e a memória de duas lutadoras do movimento negro que recentemente nos deixaram: Marisa Dandara e Maria da Penha.

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