A capa de Veja desta semana é dedicada ao Che. Sob o título “Há quarenta anos morria o homem e nascia a farsa”, a revista pinta a imagem de um homem com “maníaca necessidade de matar pessoas”, “crença inabalável na violência política”, “um ser desprezível” que buscava incessantemente “a morte gloriosa”. Veja procura fazer o segundo obituário de Che. Mas, o resultado é exemplo de péssimo jornalismo.
As fontes da matéria são “insuspeitas”: um agente da CIA, exilados cubanos em Miami e historiadores anti-castristas. Veja não precisa gostar do regime em Cuba. Porém, uma lição básica do bom jornalismo é colher a opinião do contraditório.
Mesmo o tenente boliviano Mário Teráno, algoz de Che, só comparece pela boca de terceiros. Se o entrevistasse a revista saberia que aquele a quem matou o ajudou depois de morto. A visão do tenente foi salva num hospital doado por Cuba e inaugurado por Evo Morales. E os médicos cubanos receberam carta de agradecimento do filho do militar.
Para praticar o mau jornalismo a justificativa é que “o regime policialesco de Fidel Castro não permite que aqueles que conviveram com Che e permanecem em Cuba possam ir além da cinzenta ladainha ofic ial.” E que “apesar do rancor que pode apimentar suas lembranças, os exilados cubanos são as vozes de maior credibilidade”. Porém, o que vem depois é uma extensa ladainha anti-comunista. Frases como “politicamente dogmático, aferrado com unhas e dentes à rigidez do marxismo-leninismo em sua vertente mais totalitária”, “assassino cruel e maníaco” adjetivam toda a matéria.
Em busca do “sucesso fracassado” do Che a pergunta: “como o jovem aventureiro que excursionou de motocicleta pelas Américas se tornou um assassino cruel e maníaco?” Por que Ernesto, o fracassado, se transformou num mito?
Para Veja o desprendimento transforma o aventureiro em assassino. A pergunta que fica no ar é por que, q uarenta anos depois, Veja precisa assassinar a memória do Che? A resposta é óbvia. O capitalismo na América Latina se mostrou um retumbante fracasso econômico e um desastre social. Nas últimas décadas o cansaço com o neoliberalismo levou o continente a uma onda mudancista que ainda não deu sinais de terminar. Nunca se foi tão latino-americano. E nunca o Che se sentiu tão em casa. A revista mal esconde a impaciência com o fato de jovens nos cinco continentes continuarem perseguindo ainda os ideais do Che. E conclui com raiva sem entender o enigma: “Se houve um ganhador da Guerra Fria, foi Che Guevara.”
Que Veja com suas capas grotescas e seu ranço ideológico tenha se convertido num panfletão da direita é notório. Mas, sempre é possível piorar. Com esse tributo ao mal jornalismo Veja se superou.
Edson Miagusko é professor, doutorando em Sociologia e membro da Executiva Nacional do PSOL.