Através de seis casos, livro-reportagem de Natalia Viana expõe os assassinatos Assassinatos políticos no Brasil hoje
Jair Antônio da Costa, Anderson Amaurílio, Iraguiar Ferreira da Silva, Josenilson José dos Santos, Anderson Luís e Dorothy Stang não conheciam um ao outro – mas permanecerão para sempre ligados pelo seu destino. Tais nomes compõem uma extensa lista de vítimas de uma modalidade de violência que se considerava extinta no Brasil desde o fim do último regime militar: os assassinatos políticos.
Se antes o assassinato político era uma forma de terrorismo de Estado, agora tais crimes envolvem situações mais complexas – onde militantes de movimentos sociais batem de frente com interesses particulares (muitas vezes de grandes corporações, dos latifúndios ou mesmo de integrantes da máquina estatal), que resolvem silenciar a luta legítima por direitos sociais com as próprias mãos ou com o apoio de setores corruptos do Estado – por vezes mesmo a polícia e o Judiciário.
A jornalista Natalia Viana escolheu seis casos que, dentro dessa perspectiva, podem ser considerados de natureza política, e servem para ilustrar como o Estado brasileiro tem tratado os assassinatos de motivação política. Três desses casos tratam de diferentes perspectivas e reivindicações no campo que tiveram o mesmo fim trágico: Dorothy Stang, missionária norte-americana que participava da Pastoral da Terra no Pará, foi morta em uma emboscada encomendada por fazendeiros; Miguel José dos Santos, líder dos sem-terra do acampamento Terra Prometida, em Felisburgo, MG, foi morto num massacre que custou amis 4 vidas, além de outros 13 feridos – uma chacina cruel comandada por Adriano Chafik, dono da fazenda Nova Alegria; Josenilson José dos Santos e José Ademilson Barbosa, índios da etnia xukuru, de Pernambuco, assassinados durante a luta pela demarcação das suas terras.
Os outros três relatos mostram que não são apenas os movimentos sociais que vêm do campo que acabam tornando-se vítimas desse tipo de violência. Os sindicatos e o movimento estudantil também têm seus tristes casos de assassinatos políticos: Anderson Amaurílio da Silva, militante do movimento pelo passe livre, morto durante protestos no Terminal Urbano de Londrina; Jair Antônio da Costa, membro do Sindicato dos Sapateiros de Igrejinha (filiado à CUT), morto por policiais após um protesto contra uma onda de demissões que assolava a indústria de sapatos do Rio Grande do Sul; Anderson Luís, presidente do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias de Frios e Laticínios do Rio de Janeiro e Baixada Fluminense (também filiado à CUT), assassinado misteriosamente enquanto ia ao trabalho.
A punição dos responsáveis pelas mortes relatadas em Plantados no Chão tem sido um processo muito lento – quando as investigações chegam a apontar os autores (ocasião cada vez mais rara no Brasil), o Judiciário apresenta sua típica morosidade e contribui para a manutenção da impunidade. O caso de Dorothy Stang é um exemplo. Com a cobertura da imprensa internacional, o crime mobilizou o governo federal de maneira inédita. Os dois pistoleiros acusados do crime foram condenados rapidamente, enquanto a primeira condenação de um dos mandantes do assassinato veio apenas no dia 15 de maio de 2007 – mais de dois anos depois da morte da irmã Dorothy.
Sindicalistas, militantes indígenas, líderes dos movimentos pela reforma agrária, estudantes do movimento pelo passe livre – agentes em busca de modificações sociais que se tornam vítimas da ineficiência estatal, seja por omissão na hora de proteger quem sofre ameaças, seja pela incapacidade de punir os culpados, abrindo espaço para novos crimes. Afinal, como afirma a jornalista Jan Rocha no prefácio do livro, “a morte de um líder não é simplesmente uma eliminação de uma pessoa inconveniente, mas um golpe contra a esperança, contra o futuro”.
* * *
Os seis episódios relatados por Natalia Viana no livro são apenas a ponta do iceberg. Com a colaboração da jornalista Marilise de Oliveira, Natalia compilou quase cem outros casos de crimes políticos ocorridos no Brasil, dentre os anos de 2003 e 2006 – que figuram no final do livro na forma de fichas policiais.
A inspiração para o título de Plantados no Chão vem da declaração de Zenilda Maria Araújo durante os ritos fúnebres do marido, o cacique Chicão, líder dos índios xukuru na demarcação de suas terras: “Recebe teu filho, minha Mãe Natureza. Ele não vai ser sepultado, vai ser plantado na tua sombra, como ele queria. Para que dele nasçam novos guerreiros”.
Plantados no Chão é uma denúncia contra os novos assassinatos políticos que ocorrem de maneira quase sistemática no Brasil, à margem do Estado. Natalia, atualmente morando em Londres,continua trabalhando com o tema – publicou recentemente no jornal inglês The Independent uma reportagem sobre como as disputas de guerra no estado do Mato Grosso afetam a vida dos índios guarani-kaiowa, relatando o assassinato do líder indígena Ortiz Lopes. Leia aqui a matéria na íntegra (em inglês).