Foto: Agência Fotojornalismo UFSC/página CMI
Os últimos dias em Florianópolis foram de luta a mobilização. Durante toda a semana, os estudantes do Colégio de Aplicação viveram cenas dramáticas dentro do campus da UFSC. A cada proposta de manifestação contra o aumento da tarifa de ônibus, que passou de 2,10 para 2,40, a PM aparecia, com sua gente do grupo tático, carregando escudos, armas e bombas. O comando da operação não deixava dúvidas: “Eventuais lideranças, identifica, algema e leva preso”. Essa era a ordem. Ainda assim, a gurizada não esmoreceu. Por diversas vezes realizou o catracaço – que é entrar no ônibus em grupo, sem pagar – e seguiu realizando manifestações e trancamento de rua. Nos jornais, a notícia era de que eles estavam promovendo a violência. Como sempre, a vítima vira vilão. Quem, com 13, 14 anos no máximo, pode ser violento contra um grupo da polícia de choque fortemente armado?
Na quinta-feira, depois de vários dias de mobilização, o movimento ganhou corpo e mais de quatro mil pessoas foram às ruas. Já não eram mais só os secundaristas e universitários brigando por passe livre. Aderiam ao protesto os sindicalistas, os movimentos sociais e a população em geral, que não suporta mais viver a odisséia do transporte desintegrado e ainda pagar caro por isso. Manifestações pacíficas e legítimas, visto que tamanho aumento impede o direito de ir e vir dos trabalhadores e das gentes em geral. E, afinal, esse não é o direito mais invocado pelos seres transformados em automóveis, que tanto questionam as mobilizações de protesto?
Mas, quem está preocupado com o direito da malta? Gente protestando é vista como ralé, turba, plebe rude. Para eles só a linguagem do cassetete, do gás, da bala de borracha. Não avisaram aí que as pessoas precisam se adequar ao que manda o capital? Se os empresários do transporte precisam aumentar seus lucros, quem é a plebe para discordar? Seu destino é abaixar a cabeça e seguir pagando. Paga-se, e caro, para poder ir e vir, dando lucros estratosféricos para os donos de ônibus. Esse direito dos patrões não pode ser questionado.
A ordem instituída, que defende os empresários, que monta proteção a shoppings, que prefere ferir a juventude a causar qualquer risco aos prédios privados do capital, não foi ditada pelo povo. Quem inventou as leis foram os donos do poder. O contrato social é uma farsa, do qual as gentes desconhecem as letras pequenas. O que existe é a imposição de uma ordem, emanada de cima, que defende apenas os interesses de alguns. Não há igualdade perante a lei.
Os empresários corruptos que, por anos, compraram licenças ambientais em Florianópolis, destruindo a natureza, nunca tiveram a tropa de choque nas suas portas. Foram elegantemente “detidos” pela polícia federal, muito fina. E, em poucas horas já estavam processando o estado pelo “constrangimento” que passaram. Não teve Helio Costa os chamando de vagabundos, não teve a cara enferruscada da burguesia dizendo que eles estavam ferindo seu direito de viver. A tropa de choque não é para os ricos, os que mandam, os que fazem as leis. A tropa de choque é para os pobres, os que protestam, os que insistem em gritar, como Jeremias no deserto, que esta ordem que aí está é que é a desordem.
Em Joinvile, a cidade do escândalo do Balé Bolshoi, que não respingou em ninguém graúdo, uma fábrica tocada pelos trabalhadores desde que o seu dono a faliu, foi tomada, também na quinta-feira, pela polícia federal, impedindo que a vida seguisse seu curso, impedindo que os trabalhadores continuassem ganhando seu pão com o suor do trabalho. A polícia a serviço de quem? Da propriedade privada, do capital! E aqueles que mantiveram a fábrica funcionando esse tempo todo agora são os bandidos, os loucos, os que vão levar borrachada, gás e pimenta, senão balas.
Na cidade de Florianópolis se instalou um clima de guerra, mas é bom que se diga: por parte da polícia. As manifestações são festivas, alegres, como o é a juventude. Eventuais excessos sempre são provocados pelos famosos “seres gris” que ninguém conhece. A ordem armada só defende os interesses do capital. Dizem que é para defender os direitos coletivos. Mas os direitos coletivos de quem? E os direitos coletivos dos trabalhadores, dos estudantes? Quem defende? Ninguém. A estes, balas. Até a Igreja Universal, que tem um templo gigantesco na Mauro Ramos, fechou suas portas quando a polícia dispersou as gentes com bombas, cavalos, cães e balas.
O mais triste é ver uma parte da população fazer o jogo do inocente útil. Reclamam dos estudantes e dos trabalhadores como se não fizessem parte desta classe. Preferem achar bonito que todas as ruas sejam trancadas para que aconteça uma festa do capital. Montar barracas para vender bugigangas não afeta o direito de ir e vir de ninguém, embora o trânsito fique parado por horas. Mas, gente lutando, sim.
O povo que enfrentou a polícia nesta quinta-feira em Florianópolis afirma que não vai parar. “Amanhã vai ser maior”, gritam. Não estão nem aí para o “prendo e arrebento” da PM e muito menos para as ameaças do promotor público de Santa Catarina que afirmou estarem as lideranças do movimento sendo rastreadas, com prisão prestes a se cumprir. O povo em luta sabe que nada muda neste mundo capitalista se não for no enfrentamento. Uma outra ordem. É disso que se trata. Aquilo que os jornais chamam de bagunça de estudante, nada mais é do que a legítima vontade de vida digna.
O que talvez o movimento precise avançar é no encontro com seu verdadeiro antagonista, como bem lembra a professora da UFSC, Beatriz Paiva. Nos confrontos com a PM, são os soldados que aparecem como inimigos, quando na verdade, a mobilização deve caminhar na direção do prefeito da cidade, Dário Berger, o que permite uma tarifa tão alta. Se o movimento não se digladiar com ele, fica redutor e se esgota em si mesmo.
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