Direito do Trabalho e justiça social

Diferentemente do que aponta a visão neoliberal, cortar direitos não é alternativa para se ampliar o número de empregos e melhorar a qualidade de vida da população. Como mostra o juiz do Trabalho da 3ª Vara de Jundiaí e professor de Direito do Trabalho da USP (Universidade de São Paulo), Jorge Luiz Souto Maior, nesta entrevista, os ataques sistemáticos à legislação trabalhista conduzem ao desmantelamento da sociedade. Sob o risco de se haver quebra da rede de solidariedade que a mantém, ele enfatiza que é preciso resistir a essas investidas. Membro da AJD (Associação Juízes para a Democracia), Souto Maior destaca ainda que reforma trabalhista e sindical devem caminhar na contramão do que se propugna atualmente.

Em artigos de sua autoria, o senhor procura destacar o papel da Justiça do Trabalho como instrumento de justiça social. Por favor, fale sobre isso.

A Justiça do Trabalho acaba trazendo consigo essa sua importância de construir uma justiça social no Brasil, porque o Direito que aplica tem exatamente essa função. E é por isso que a exploração do trabalho pelo capital não se dá apenas numa perspectiva individual, mas tem por contrapartida também devolver à sociedade uma parcela do lucro obtido. É nessa teia de obrigações que os direitos do Trabalho e a Seguridade Social estão envolvidos. E o que se assiste no Brasil é uma tendência de reação a esse movimento. Ou seja, quem tem não quer distribuir a sua riqueza.

Todavia, isso garante a manutenção do próprio sistema capitalista…

Os direitos do Trabalho e Social só funcionam dentro dessa lógica do capitalismo, são uma fonte de sustentação do sistema, só que não numa perspectiva de liberalismo total. O que se concebeu a partir da metade do século XX foi a necessidade de criação de um direito que pudesse conferir a esse modelo capitalista uma possibilidade de produzir justiça social sob pena de se autodestruir. Quando as pessoas atacam os direitos do Trabalho e a Seguridade Social, estão fazendo um discurso de destruição da sociedade. Não se pode imaginar uma sociedade completamente injusta, a qual tende a não existir, porque o desajuste torna-se tão grande que fica insustentável. É o que a gente começa a assistir no Brasil de uns tempos para cá, uma corrosão total, não só do ponto de vista econômico, mas de valores morais. Cada um cuida de si, é aquela coisa do salve-se quem puder. Há um efeito de desprezo aos direitos sociais.

A legislação trabalhista hoje cumpre sua função na construção de sociedade mais justa?

A maioria do que havia na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) já não existe mais, por inúmeras leis publicadas posteriormente. Tanto que o Direito do Trabalho hoje no País não é nem sombra do que foi em 1943, época da sua criação. Achar que a legislação trabalhista brasileira vigente é dessa época é o primeiro equívoco que se comete. O segundo é achar que essa é extremamente rígida e impede o desenvolvimento, quando na verdade é exatamente o contrário. O Direito do Trabalho no Brasil deveria caminhar para uma reforma, mas não no sentido de maior flexibilização e sim de recuperar aquilo que perdeu ao longo dos tempos. Como exemplo principal, a questão da estabilidade no emprego. Com o seu fim, perdeu-se poder de negociação. O empregado se submete mais às pressões, a fazer horas extras sem recebê-las, a uma série de agressões aos seus direitos, porque concretamente não pode reclamar, pois pode pôr seu emprego em risco. E a estabilidade hoje parece fora de questão. No entanto, seria fundamental. Não é possível que um sistema de sociedade não possa conferir a seus cidadãos aquilo que é o mínimo, a segurança de poder programar seu futuro. Então eu diria que a legislação trabalhista hoje não cumpre a função de construção da justiça social, porque está muito a caminho de uma flexibilização sem sentido. Veja o problema da terceirização, da subcontratação, das cooperativas, da transformação dos trabalhadores em pessoas jurídicas.

E quanto a uma possível reforma sindical?

No momento atual, parece-me que uma reforma que fortaleça o sindicalismo é muito bem- vinda, desde que não se coloque como pedra fundamental a possibilidade da negociação coletiva ampla, no sentido até de redução de direitos, porque aí você não estará reforçando o movimento sindical, mas conferindo a ele a possibilidade de ser antídoto de si próprio.

Quais seriam os efeitos da emenda 3 se derrubado o veto presidencial?

Haveria um reforço dessa retórica atual de que Direito do Trabalho atrapalha. Se isso prevalecer e as pessoas acharem natural contratar alguém como autêntico empregado, mas fazer um trato individual em que esse se considere pessoa jurídica e se pague a ele apenas o salário, não tendo repercussões de Previdência Social e de Imposto de Renda, quebrar-se-á aquele vínculo de solidariedade importantíssimo e o perigo é de desmantelamento da sociedade. As liberdades individuais sozinhas não substituem de forma alguma o Estado. Eliminar o custeio social é um risco gravíssimo para todos nós.

O deputado Nelson Marquezelli (PTB-SP) apresentou proposta de pagamento por tarefa, em que o trabalhador receberia seu salário bruto, supondo que individualmente as pessoas sustentariam esses sistemas…

É a mesma perversão da lógica. Dessa forma, não estamos formando uma sociedade, mas um bando de gente indo para algum lugar, possivelmente para a guerra civil. O Direito Social é fruto de uma luta histórica e agora falamos em abandonar isso, em prejuízo das gerações futuras. A esperança é que os movimentos sociais de natureza trabalhista reajam.

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