Entre os desafios colocados para os movimentos sociais e as organizações populares brasileiras está o de democratizar a mídia e de tornar efetivo no Brasil o direito à comunicação. A importância da democratização das comunicações foi reconhecida por esta articulação no resultado de seu primeiro encontro nacional, em outubro de 2005, em Brasília.
No modo de organização social contemporâneo, as comunicações mediadas assumem papel fundamental nos processos de compreensão do mundo. Seus veículos são o principal espaço de circulação de informação e cultura e alguns dos mais importantes para a referência de valores e formação da opinião pública. A mídia é, assim, a grande arena em que os projetos de sociedade são disputados. Esta arena deve ser sempre, portanto, um espaço plural e diverso.
Incluir todos os atores sociais neste espaço significa defender o direito à comunicação, direito individual e coletivo de todo ser humano, para além de espectador e leitor, ser produtor de informação e ter condições de fazer circular estas manifestações em condições mínimas de igualdade em relação às demais que circulam pela mídia. Homens e mulheres enxergam a realidade de formas diferentes e nenhum destes olhares pode ser secundarizado. Não basta, portanto, ter liberdade de expressão nem acesso a uma vasta gama de fontes de informações. É preciso resgatar o ambiente da mídia como espaço público, desprivatizando- o mediante a inclusão progressiva de todos os atores sociais. Este é um dos maiores desafios na luta por um Estado democrático e para a realização plena de uma sociedade justa, sem opressões.
Não é novidade que os meios de comunicação são, cada vez mais, importante instrumento de difusão da ideologia dominante, cuja forma atual prega a prevalência dos mercados sobre as pessoas e do individual sobre o coletivo. Para além da função ideológica, as comunicações têm se transformado, nas últimas décadas, em importante fronteira do avanço do capitalismo, com a mercantilização crescente da cultura, da informação e do conhecimento.
No Brasil, a formação da mídia se confunde com a história das elites dominantes. Não é à toa que parte majoritária das oligarquias locais tem como um de seus braços o controle de grupos de mídia com características oligopólicas e geralmente afiliados a redes nacionais. Como sustentáculo deste processo, sempre esteve o Estado, colocando a política e a legislação a serviço da manutenção deste modelo. A força do setor é materializada no momento atual, quando, mesmo com a entrada de um representante de um partido de esquerda na presidência, pouco foi feito para mudar o quadro e alterar as bases de poder de quem comanda os meios de comunicação no Brasil há décadas.
Para não ficar nos argumentos, alguns dados que comprovam o quadro concentrado da mídia brasileira: os meios comerciais constituem 80% das emissoras de rádio e tv no país; destes, a grande maioria está concentrada em seis grandes redes; os recursos de publicidade (principal fonte destes meios) estão concentrados em mais de 75% em apenas duas redes (Globo e SBT). Enquanto isso, o Brasil sequer possui um sistema público conforme prevê a sua Constituição Federal o Estado reprime violentamente as rádios comunitárias, raras manifestantes de uma comunicação ligada à base da sociedade. No primeiro semestre de 2006, foram fechadas, em média, dez rádios comunitárias por dia, totalizando 1.800 lacres de janeiro a junho. Por outro lado, no final de 2006 mais de 8.180 solicitações de autorização sequer haviam sido analisadas e mais de 1.800 estavam paradas em algum gabinete do Ministério das Comunicações.
Conquistar políticas democráticas
Esta situação, de conhecimento de todos e todas que sofrem cotidianamente com a censura privada do pensamento único, demanda pensar saídas que apontem concretamente para a democratização da mídia no País. Uma das frentes desta disputa está em mudanças iminentes nas políticas e regras que regem o sistema de comunicação brasileiro.
Em uma tentativa de síntese, a disputa entre empresas de radiodifusão nacionais e grupos de telecomunicaçõ es nacionais e transnacionais, inserida no processo de convergência tecnológica, tende a pressionar por mudanças na legislação nacional para a rádio e a TV, que data da década de 60. Esta luta se reflete concretamente na disputa pelos rumos da implantação da TV e do Rádio digitais, e também na definição de uma nova Lei Geral para o setor. Correndo por fora, as emissoras do campo público buscam atender a agenda histórica da criação do sistema público de comunicação e os veículos comunitários se organizam para reverter a repressão a que são submetidos.
Para os próximos meses, estão colocadas na agenda algumas disputas importantes para o setor. A mais urgente delas é a construção de um sistema público de comunicação. No primeiro Fórum de TVs Públicas, realizado de 8 a 11 de maio em Brasília, o presidente Lula afirmou que vai criar uma rede pública de televisão. Mas é preciso lutar para garantir mais do que uma rede ou o aparelhamento pelo governo das emissoras não-comerciais existentes. É preciso constituir um sistema que seja também um efetivo espaço de veiculação de programação popular, independente e regional, realizada em centrais públicas de produção de comunicação, cuja gestão e financiamento viabilizem seu controle democrático pela sociedade e não sua dependência de mercados e governos.
Outra importa batalha será a mudança do marco institucional do setor. O principal espaço deste debate será o processo de construção de uma conferência nacional de comunicação – que pode ocorrer ainda este ano. Está marcado para 21 e 22 de junho, o encontro preparatório promovido pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e por entidades que lutam pela democratização da comunicação. O objetivo é criar mobilização para construir, em 2007 e 2008, um processo de conferência que coloque a sociedade organizada para emitir sua opinião acerca do futuro das comunicações brasileiras.
Destacamos também um fato que pode ser aproveitado para mobilizações contra o oligopólio da mídia. Em 5 de outubro – data próxima à da Semana pela Democratização das Comunicações, na segunda quinzena de outubro -, vencem as concessões das cinco emissoras próprias da Rede Globo. Em paralelo, cresce o questionamento sobre a apropriação comercial abusiva das outorgas de rádio e TV, concessões públicas do Estado. As grandes redes não se submetem ao controle da sociedade, recusam críticas e disseminam preconceitos, desrespeitando minorias e parcelas importantes da sociedade, como mulheres e negros, e atacando direitos como a liberdade de religião e de orientação sexual. Também usam as concessões como bens próprios, sublocando espaço e desrespeitando preceitos legais de proibição do oligopólio e promoção da produção independente e regionalizada.
Fortalecer a comunicação popular
Todo este conjunto de temas está relacionado a uma parte importante da luta por uma mídia mais democrática. Outra diz respeito ao fortalecimento de uma comunicação popular e contra-hegemô nica, que sirva aos lutadores por uma sociedade justa e sem exploração nem opressão. E neste quadrante se situa o esforço da Assembléia Popular em articular os principais movimentos sociais do país visando construir um projeto diferente para o Brasil calcado na soberania popular, na garantia dos direitos do povo, na distribuição eqüitativa de riquezas e na valorização da diferença como caminho para a real igualdade.
Esta comunicação existe e está sendo feita. Ela se dá no âmbito de cada movimento ou articulação mais localizada, como na área sindical e campesina. Essas iniciativas, porém, enfrentam gargalos econômicos, técnicos e políticos na produção e na distribuição, o que exige ações coordenadas dos movimentos para enfrentá-los de maneira colaborativa. Essas ações devem ser trabalhadas simultaneamente às outras frentes e de modo a fortalecê-las. No processo da AP, desenham-se iniciativas de comunicação para a articulação e para o exercício do direito à comunicação pelos movimentos, além de experiências diversas e relevantes nos processos estaduais. Essas iniciativas devem ser compartilhadas entre os vários estados, de modo aprimorar os processos de comunicação locais, bem como fortalecer a comunicação do processo nacional.
O encontro estadual de São Paulo, em março de 2007, por exemplo, contou com transmissão ao vivo por uma rádio web, viabilizada pelo Coletivo 8 de Dezembro, Abraço e Faculdade de Educação da UFMG, que possibilitou a cerca de mil pessoas acompanhar à distância os debates. Além disso, a AP-SP também viabilizou a criação de uma página da Assembléia na internet, com apoio da Ciranda da Informação Independente (www.ciranda.net/assembleiapopular) e participação dos movimentos, entidades e veículos alternativos presentes ao encontro, como CMI, Enecos, MST, Intervozes e Brasil de Fato. A proposta é que essa página, aberta a contribuições de todas as regiões do país*, sirva de espaço para divulgar os próximos passos e decisões referentes aos demais processos das Assembléias estaduais e, especialmente, da nacional.
Consideramos urgente e necessário potencializar de forma gradativa estas iniciativas, articulando os instrumentos de que dispomos com novos, a serviço das idéias que constituem o projeto da AP.
É neste sentido que nos colocamos à disposição de contribuir na reflexão de como pautar e construir na Assembléia a democratização dos meios de comunicação, tanto nas decisões que dizem respeito ao futuro do setor quanto no fortalecimento da comunicação contra-hegemônica construída no país.
*as contribuições devem ser enviadas para Antonio (biondiebiondi@yahoo.com) e Rita (ciranda@ciranda.net)