Arte: Olhando de Baixo, UC 2006
As recentes declarações do ministro das Comunicações Hélio Costa sobre a intenção de criar uma nova rede estatal de televisão acenderam mais uma luz vermelha em todos aqueles que defendem a democratização das comunicações, especialmente da televisão (ainda hoje o mais importante meio de difusão de informação do país).
Tal perplexidade não é exclusiva das organizações da sociedade civil. Representantes de televisões do campo público e membros do próprio governo federal reunidos no Fórum de TVs Públicas também externaram seu desacordo com as propostas do ministro Hélio Costa.
Em função disso, o Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social vem a público tecer as seguintes considerações:
1. As declarações do ministro Hélio Costa são uma afronta a todos aqueles que participam do Fórum de TVs Públicas, iniciativa inédita do Ministério da Cultura, Radiobrás, TVE, Casa Civil e gabinete da Presidência da República. Há meses, membros do governo, sociedade civil e emissoras do campo público se reúnem para discutir os rumos da televisão brasileira e propor caminhos para o fortalecimento do setor, à luz da evidente necessidade de equilibrar o uso do espectro de freqüências e eliminar graves distorções, em especial a absoluta hegemonia das emissoras comerciais. No momento em que o próprio governo se dispõe a discutir a melhor forma de incentivar o surgimento e o fortalecimento das emissoras públicas, a proposta do Ministério das Comunicações de investir R$ 250 milhões em uma nova rede estatal de televisão (sob controle direto do governo) só pode ser compreendida, entre outros aspectos, como uma tentativa de enfraquecer o Fórum de TVs Públicas, suas futuras conclusões e propostas – que dizem respeito inclusive à criação de redes estatais e públicas de televisão no país -, que devem ser encaminhadas ainda no primeiro semestre deste ano.
2. Ao nomear de “pública” a proposta de uma televisão estatal, o ministro gera confusão conceitual e, por conseqüência, reforça o argumento de conservadores de plantão que buscam a todo custo atrelar a imagem do governo Lula às práticas de controle abusivo dos meios de comunicação. Para que o debate sobre o fortalecimento das TVs públicas no país prossiga, é necessário o urgente esclarecimento: televisão pública não se confunde com televisão estatal. A primeira tem autonomia financeira e de gestão, não sofrendo interferências de governos ou do mercado. A segunda é de controle direto de governos e de outros poderes da República, como dos legislativos e do Judiciário. Ao referenciar sua proposta na BBC britânica, o ministro aparenta ignorância profunda de algo que deveria conhecer bem, que são as diferentes formas de organização dos meios de comunicação. Nesse sentido, torna-se necessário outro esclarecimento: a BBC é um modelo de televisão pública, e não estatal, tendo autonomia financeira e de gestão em relação ao governo daquele país. Ao afirmar que o controle editorial da nova rede brasileira estaria nas mãos do governo, como poderia ela ter como referência a emissora britânica?
3. O governo já possui a sua emissora estatal de televisão. A NBR, vinculada à Radiobrás, hoje cumpre de maneira transparente a função de dar publicidade aos atos do governo, não havendo qualquer necessidade de uma nova emissora vinculada ao governo federal. Caberia sim a imediata alocação da NBR no espectro aberto (VHF ou UHF). O mesmo pode-se dizer das emissoras dos legislativos federais, estaduais e municipais, e da TV Justiça, todas elas emissoras estatais. Cumpre deixar claro que as emissoras estatais também são fundamentais para a democracia brasileira, sendo, inclusive, objeto do artigo 223 da Constituição Federal. É completamente despropositado, entretanto, a criação de uma nova rede estatal, dobrando os esforços que o próprio governo já faz, desperdiçando recursos do Tesouro e, principalmente, desviando o foco da principal necessidade do país nesse segmento, que é a criação de um Sistema Público de Comunicações, forte e independente, conforme previsto pelo artigo 223 da Constituição.
4. Portanto, a proposta de Hélio Costa transparece a completa falta de sintonia entre os membros do próprio governo no que diz respeito às políticas de comunicação. Mais do que isso, atesta uma vez mais a oposição absoluta do ministro das Comunicações a qualquer proposta de caráter democratizante, que reflita os anseios da sociedade e responda às necessidade do país, mesmo que estas propostas tenham partido do próprio governo.
5. Reafirmamos, por fim, a convicção de que o Fórum de TVs Públicas é o melhor caminho para a consolidação de um novo projeto para a televisão pública brasileira. Por isso, reafirmamos o convite a todos aqueles que buscam o fortalecimento da democracia brasileira para que se integrem a este processo. Afinal, a construção de uma televisão pública forte, com gestão democrática, deve ser feita com a participação de seu maior interessado: a sociedade brasileira.
Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social
21 de março de 2007