Anulação do leilão da Vale é bandeira central da Assembléia Popular

Em 1997, durante o processo de privatização da Companhia Vale do Rio Doce, os movimentos sociais alertaram para a sub-avaliação do valor da empresa e denunciaram a fraude que estava sendo arquitetada. Quase dez anos depois, os dados oficiais obtidos com o processo que pede a anulação do leilão da privatização comprovam que o escândalo denunciado à época representava somente 10% do total. A empresa que fez a avaliação da Vale pertencia indiretamente a quem a comprou e, para a Justiça, portanto, a avaliação é nula.

Reunidos em torno da Assembléia Popular, movimentos sociais, pastorais, organizações sindicais, estudantis e entidades da sociedade civil vão além: acreditam que, se a avaliação é nula, o leilão da Vale é nulo, e cobram a re-estatização da companhia.

A questão da Vale, no entanto, não deve ser resolvida apenas via medidas jurídicas. No debate deste sábado (10/03) sobre o tema, ficou claro que somente uma forte mobilização popular pode conseguir resultados concretos para reverter a venda da Vale do Rio Doce para o capital privado. A anulação do leilão da Vale é uma das principais bandeiras dos movimentos para retomar uma frente única de lutas nacionais.

“Retomar a Vale é uma questão decisiva pela simbologia que tem. É uma grande empresa estratégica que foi privatizada, da forma mais escandalosa e fraudulenta. O lucro obtido a cada três meses corresponde ao valor pelo qual ela foi vendida. Isso não existe na humanidade”, critica o advogado Ricardo Gebrim, da Consulta Popular. “Se alcançarmos uma vitória, mudamos a correlação de forças e colocamos na pauta nacional a recuperação dos recursos estratégicos”, completa.

Uma das ferramentas para a organização do movimento na luta pela anulação do leilão da Vale será a realização de um grande plebiscito nacional no mês de setembro, nos moldes do Plebiscito da Alca, realizado em 2002.

“É um debate difícil, que vai exigir qualificação. Mas se cada um aqui trouxer mais três pessoas pra luta, vamos dar energia e ultrapassar nossa meta. Será uma retomada concreta da frente única do processo popular para colocar nosso inimigo na defensiva. Temos que mostrar que o imperialismo ainda está presente aqui”, afirma Gebrim.

Inimigo enfraquecido

Na avaliação do historiador e integrante da Conlutas, Valério Arcary, o ano de 2007 é central para a mobilização dos movimentos devido a uma conjuntura favorável em termos mundiais, na América Latina e no Brasil.

Em novembro, a vitória do Partido Democrata nas eleições parlamentares dos Estados Unidos dividiu internamente o poder norte-americano. A divisão segue até hoje, sobretudo em função de divergências acerca do futuro da guerra no Iraque. Depois de quatro anos de guerra, os 150 mil soldados americanos que ocupam o país árabe – 1,5 milhão já passaram por lá – não conseguem estabilizar os conflitos.

“Há uma fissura em Washington e isso delimita uma ação exterior dos Estados Unidos. Favorece a resistência iraquiana e a campanha global contra a militarização e as tropas americanas Iraque”, explica Arcary. “Na América Latina, a influência dos Estados Unidos também é menor do que aquela que existia vinte, dez anos atrás. Se olharmos o conjunto da região, a dominação está em crise e não há condições para que possa ser revertida. O enfraquecimento da dominação é resultado da resistência popular. E isso não ocorre só porque Chávez, Evo e Rafael foram eleitos na Venezuela, na Bolívia e no Equador. Eles foram eleitos em função da resistência popular”, afirma.

No Brasil, o presidente Lula, apesar de governar sem verdadeira oposição e parecer ter um mandato forte, já deixou claro para a sociedade que as reivindicações populares apresentadas na última campanha eleitoral não serão cumpridas. Em meio a mais uma crise de violência no país e diante de uma reação conservadora da direita, os movimentos devem se mobilizar e sair de uma eventual apatia.

“Essa conjuntura travada é resultado da crise social que atravessamos. Para desbloqueá-la, vamos precisar de mobilização. Por isso, temos que construir uma frente única de lutas, para resistir à transposição do Rio São Francisco, aos ataques ao funcionalismo público, e para dizer que a Vale é do povo. Temos que exigir do Lula, do Congresso e do Poder Judiciário que respeitem a vontade do povo”, afirma Valério Arcary.

“Isso é possível. Nesta quinta-feira, estávamos todos juntos na Paulista. Se nos unimos contra Bush e foi sobre nossas cabeças que jogaram balas de borracha, bombas de gás lacrimogêneo e spray de pimenta, ali construímos uma relação de confiança entre os movimentos, um pacto de classe. É assim que seguiremos em frente”, conclui.

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