Visita ao Cárcere

Manhã de segunda-feira, 12 de fevereiro de 2007. Estamos no Centro de
Progressão Penitenciária de São Miguel Paulista, em São Paulo: o senador
Eduardo Suplicy (PT-SP); dr. Bruno de Oliveira Pregnolatto, advogado; José
Batista de Oliveira, da direção nacional do MST; Ana Maria Moura,
assessora de imprensa do MST; e eu. Viemos visitar o preso Marcelo
Buzetto, 36 anos, cujo sonho é implantar escolas em acampamentos do MST.

A cena é insólita neste país de inversões, onde vive solto quem deveria
estar preso e está preso quem merece a liberdade. Buzetto deveria, dia 15,
abrir o ano escolar na Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas
da Fundação Santo André, onde é professor de Política Internacional e
Sociologia. Quem vai estar no lugar dele é o senador Suplicy. Ex-professor
da Uniban e da Escola Superior de Propaganda e Marketing, Buzetto leciona
também na Universidade Metodista de São Bernardo do Campo e faz doutorado
na PUC de São Paulo.

Fizemos uma oração com Buzetto, acompanhado pelo diretor do cárcere, dr.
Reginaldo Alves Batista. Na saída, vimos estacionar na calçada uma viatura
policial. Dela saiu, algemado, Benedito Ismael Alves Cardoso, o Magrão, 54
anos, militante do MST, procedente do cadeião de Pinheiros. Retornamos ao
cárcere para conversar com ele.

Buzetto visitava, em 1999, o acampamento Nova Canudos, em Porto Feliz
(SP). Houve manifestação dos sem-terra em prol da reforma agrária e para
denunciar as precárias condições em que viviam, agravadas pela falta de
alimentos. Dois caminhões de transporte de alimentos foram saqueados, sem
dano para os motoristas e os veículos. Vários manifestantes foram presos.
Buzetto tomou-lhes a defesa e enfrentou a delegada local, que os impedia
de acesso a advogados e mantinha uma senhora de 75 anos algemada a uma
janela.

Preso 28 dias e incluído no inquérito, Buzetto foi o único indiciado e
respondeu processo em liberdade. Em 2006 foi condenado a 6 anos e 4 meses
de prisão em regime semi-aberto, com direito ao domiciliar até que
houvesse vaga no semi-aberto. Embora com recurso ainda a ser julgado pelo
STF, ele se viu coagido a iniciar o cumprimento da pena. Casado e pai de
um filho, e com endereço fixo, desde a sentença comparecia todo mês ao
fórum.

Em 19 de janeiro último prenderam-no sob a justificativa de que surgira
uma vaga no semi-aberto. Ora, há inúmeros condenados que, muito antes
dele, aguardam, fora das grades, vaga similar. Levado à delegacia de São
Caetano (SP), desde 22 de janeiro encontra-se em São Miguel Paulista,
recluso em regime fechado, e sem direito à prisão especial, como reza a
lei em se tratando de diplomado em curso superior.

Magrão participou, em 1999, de manifestação dos sem-terra em Boituva (SP)
para denunciar a lentidão da reforma agrária e o aumento de tarifa dos
pedágios. Mais de 100 pessoas foram presas, das quais 6 ficaram mais de um
ano na cadeia. Responderam processo em liberdade. Em 2005, Magrão foi
condenado a 5 anos e 8 meses em regime semi-aberto. Desta decisão, foram
interpostos recursos ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Supremo
Tribunal Federal (STF) e o processo ainda não transitou em julgado. Ocorre
que ao confirmar a condenação, o Tribunal de Justiça determinou a
expedição de mandado de prisão de Benedito a fim de dar início ao
cumprimento da pena.

Desde setembro de 2006, quando já teria direito ao aberto, Magrão ficou
recluso no cadeião de Pinheiros, do qual o transferiram na segunda-feira,
12 de fevereiro. Agricultor e pai de dois filhos, aguarda recurso
encaminhado ao Judiciário paulista.

A prisão desses dois companheiros tem conotação nitidamente política.
Exerceram seu direito de cidadania ao reivindicar um direito que o governo
tarda em reconhecer – a reforma agrária -, e agiram sem nenhuma lesão a
pessoas. Se alguém considera que cometeram abusos, é o caso de repetir o
desafio de Jesus: quem pode atirar a primeira pedra? O prefeito de São
Paulo e o presidente FHC, que chamaram manifestantes e aposentados de
“vagabundos”?

O governo Lula tem agido com sensatez ao manter canais de diálogo com os
movimentos sociais e não ceder às pressões para criminalizá-los. Resta ao
Congresso e ao Poder Judiciário, tão assediados por criminosos de
colarinho branco, latifundiários que invadem terras indígenas e mantêm
trabalho escravo, também abrirem-se ao diálogo com as bases populares
organizadas.

Ricos, quando fazem pressão, estendem à mão ao telefone e são ouvidos pela
autoridades e pela mídia. Alguns, até assinam cheques… Já os pobres não
têm alternativa senão a manifestação pública, que deveria ser por todos
reconhecida como direito intrínseco ao grande sonho brasileiro: a
democracia participativa.

Na prisão de São Miguel, oramos para que a Justiça faça justiça a Marcelo
Buzetto e Benedito Cardoso, o Magrão.

*Frei Betto é escritor, autor de “Batismo de Sangue” (Rocco), entre outros
livros.

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