Novos consumistas em formação

Quem frequenta o supermercado já notou que, nas últimas décadas, a oferta de produtos voltados para o público infantil aumentou muito. Um dado que comprova o fato é que esse mercado movimenta, hoje, cerca de R$ 50 bilhões por ano no Brasil, segundo o Ibope. Os produtos infantis também estão mais atraentes. Personagens de desenhos, artistas de novela, cantores, apresentadores, entre outros recursos estão a serviço da publicidade com o objetivo de despertar nas crianças o desejo de consumir.

Essa aposta no consumidor infantil é um fenômeno mundial e no Brasil encontra um amplo mercado: o Censo IBGE de 2000 contou 30 milhões de crianças de até nove anos de idade. Para chamar a anteção desse público, os investimentos em publicidade são altos. Um exemplo é o aumento na verba publicitária no setor de guloseimas. Em 2004, foram investidos R$ 117,353 milhões neste segmento de mercado, contra R$ 68,957 milhões em 2003, segundo dados do Monitor Plus, produto do Ibope Mídia.

O setor publicitário brasileiro parece estar seguindo o mesmo caminho dos EUA. De acordo com estudo apresentado pelo advogado Felix Hofer, em seminário da Global Advertising Lawyers Alliance, em Nova York, os gastos de crianças de 4 a 12 anos naquele país aumentaram de US$ 6,9 bilhões em 1989 para US$ 30 bilhões em 2002, mas a sua influência no consumo total das famílias chegou a 310 bilhões.

O produtor e ex-publicitário Sérgio Miletto é direto ao comentar a atuação da publicidade junto às crianças: “A publicidade precisa formar mercado. Os adultos já estão recrutados. Visando às crianças, a publicidade está garantindo o consumidor de amanhã”.

Ética

Para Paulo Levi, que é vice-presidente de planejamento e pesquisa da agência de publicidade Lew, Lara, a criança é mais suscetível à propaganda, não só porque não tem a bagagem que lhe permita diferenciar o que é necessário do que não é, mas também pela pressão do grupo em que está inserida, que muitas vezes é forte a ponto de ser irresistível.

“O anunciante que comunica diretamente para a criança tem uma responsabilidade especial. É lógico que ele normalmente quer criar uma preferência pela sua marca, afinal de contas essa é a razão de ser da propaganda numa sociedade capitalista como a que nós vivemos. Mas uma empresa realmente consciente e responsável tem que tomar precauções especiais para manter as coisas dentro dos limites éticos”, afirmou Paulo Levi durante debate promovido pelo Instituto Akatu pelo Consumo Consciente. O debate, realizado em 2005, deu origem ao Diálogos Akatu número 5, uma publicação que será lançada no próximo trimestre e aborda a questão do Consumo Consciente do Dinheiro e do Crédito.

Consumo Consciente

“A publicidade instiga a consumir e associa isso a uma espécie de felicidade. A criança, quando excessivamente exposta sem orientação de adultos, freqüentemente se deixa levar por isso e começa a desejar e a querer preencher suas faltas com o que vê na TV. Quando consegue aquilo que deseja, logo vai se sentir como antes e vai querer suprir com outra aquisição. Dessa forma, estabelece-se um círculo vicioso em que o ‘ter’ passa a ser o valor maior”, explica a pedagoga Lena Marko, diretora do projeto “Educando a Periferia”, que o Instituto Alana realiza no Jardim Pantanal, zona leste da cidade de São Paulo.

A educação para o Consumo Consciente é um passo importante para combater o círculo vicioso apresentado por Lena Marko. Esse conceito deve ser disseminado por empresas, governo, associações que representam a sociedade civil, escola e, principalmente, pelos pais. A família é fundamental na construção de valores e na educação das crianças para que essas adotem novos comportamentos. “É necessário que exista uma mudança de atitude. Precisamos mudar o estilo de vida. A partir disso, acreditamos que algo será posto no lugar do consumo, que agora se constitui numa parte crítica e central da vida. Temos que substituir o consumo pela arte, pela beleza e pelas relações humanas”, defende Helio Mattar, presidente do Instituto Akatu.

Televisão

As crianças brasileiras são campeãs mundiais em horas gastas em frente à televisão. Em 2005, foram, em média, 4h51min19s por dia por crianças de 4 a 11 anos (Ibope). A televisão, portanto, é o meio fácil para se atingir o público infantil.

Freqüentemente, os pais não têm condições de monitorar seus filhos durante todo o tempo em que eles ficam expostos à programação televisiva. Uma pesquisa do Instituto Multifocus mostrou que cerca de 59% das mães trabalham fora e que, dos 81% de crianças que assistem a mais de duas horas de TV por dia, 36,4% o fazem sozinhos. Portanto, tudo o que elas assistirem vai ser assimilado sem que haja alguém para orientá-las.

A conseqüência para as crianças do excesso de publicidade, principalmente na TV, pode estar se refletindo não só no seu comportamento e visão de mundo, mas também nos seus hábitos alimentares.

O número de crianças de até 5 anos obesas no Brasil chega a um milhão, de um total de 16 milhões de crianças nessa faixa etária. Isso é gerado pela troca de hábitos alimentares saudáveis, por alimentos e bebidas que engordam. Essa mudança de comportamento não é adotada somente por crianças, mas também pelos adultos. Segundo dados do Ministério da Saúde, o consumo de refrigerantes no Brasil aumentou de sete litros por pessoa/ano, em 1975, para 28 litros em 2005 – um aumento de 400%.

José Augusto Taddei, professor da disciplina de Nutrologia do Departamento de Pediatria da UNIFESP, afirma que, em média, apenas uma de cinco crianças obesas não se torna um adulto obeso.

A obesidade é um dos graves fatores de risco para doenças crônicas como as cardiovasculares, cânceres e diabetes. Ainda segundo Taddei, a pessoa começa a acumular riscos para essas doenças desde a infância e juventude. Daí a importância de se estabelecer hábitos alimentares saudáveis desde pequeno, fato que pode ser muito difícil para as crianças que têm o desejo elevado pela ação da publicidade. Neste caso, novamente, o papel dos pais é fundamental, pois eles devem educar seus filhos para uma alimentação saudável.

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