O Brasil negro e suas africanidades

Imagem: Signos Afro, de Guache Marques

A quarta edição do Congresso Brasileiro de Pesquisadores Negros (COPENE), será realizada na cidade de Salvador, Bahia, de 13 a 16 de setembro. Nesta entrevista à Ação Educativa, a coordenadora do evento, Marluce Macedo, retoma a história da iniciativa, desde sua primeira edição, em 2000, faz um balanço do estímulo ao intercâmbio entre pesquisadores negros e relata as expectativas para o encontro deste ano, que terá por tema “O Brasil negro e suas africanidades: produção e transmissão de conhecimentos”.

Ação Educativa: Qual a história do Congresso Brasileiro de Pesquisadores Negros? Em que contexto foi criado e como se desenvolveu?

Marluce: O Congresso Brasileiro de Pesquisadores Negros é uma realização da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros – ABPN. A ABPN é resultado da trajetória histórica traçada pelos pesquisadores negros no Brasil, nos diversos espaços institucionais de pesquisa e nos Movimentos Negros de forma geral.

É uma associação de caráter nacional, que tem realizado um esforço constante, no sentido de efetivar um diálogo com pesquisadores e instituições de pesquisas internacionais, intensificando e ampliando o campo de debate sobre as relações étnico-raciais e suas proposições, bem como fortalecendo uma rede de solidariedade entre populações negras, de um modo geral.

Nas edições anteriores dos Congressos Nacionais, realizados respectivamente em Recife – PE – 2000, São Carlos – SP – 2002 e São Luís – MA – 2004, pode-se constatar a participação de pesquisadores das mais diversas regiões do país e de estrangeiros.

A partir dos Congressos realizados, é possível observar o crescimento numérico, a diversidade e a excelente qualidade da produção. Isso afirma a importância e o significado da ABPN e a necessidade da sua continuação, ampliação e fortalecimento, sendo a realização de Congressos Nacionais uma condição indispensável para que isso aconteça.

O I Congresso Brasileiro de Pesquisadores Negros foi realizado em novembro de 2000 em Recife (PE) e proporcionou um maior contato entre docentes, pesquisadores e pós-graduandos das mais diversas instituições públicas e privadas do país. O tema para debate foi O negro e a produção de conhecimento: dos 500 anos ao século XXI, efetivando um balanço da produção dos pesquisadores negros e dos estudos relativos às questões étnico-raciais, especialmente no Brasil.

O Congresso de Recife contou com cerca de 320 pesquisadores das diversas regiões do Brasil e também estrangeiros, e inaugurou uma nova fase na história de muitos pesquisadores, pela relevância e excelência das pesquisas, diversidade apresentada nas diferentes áreas de conhecimentos e possibilidades abertas para trocas e diálogos.

O II Congresso foi realizado em agosto de 2002, na cidade de São Carlos (SP), e apresentou como tema geral De preto a afro-descendente: a pesquisa sobre relações étnico/raciais no Brasil. Além de dar continuidade às questões e encaminhamentos do I Congresso, aprofundou o balanço crítico iniciado sobre a produção intelectual brasileira relativa às relações étnico-raciais, apresentando os efeitos das mudanças sociais ocorridas na década de 90 na agenda dos movimentos negros, quando passaram a utilizar crescentemente de mecanismos jurídicos-políticos para denunciar a discriminação e o racismo e também a exigir de forma mais contundente políticas públicas compensatórias pelos danos causados pelo racismo e todo processo de discriminação.

O segundo Congresso contou com cerca de 500 pesquisadores, que aprovaram por unanimidade, em sessão plenária, a constituição da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros – ABPN, com o objetivo principal de congregar pesquisadores que tratem da problemática racial, direta ou indiretamente, nas mais diversas áreas de conhecimento, ou se identifiquem com as questões que afetam a população negra no Brasil. Ainda nesse Congresso, foi discutido, votado e aprovado, também em sessão plenária, o Estatuto dessa Associação.

O III Congresso foi realizado em setembro de 2004 na cidade de São Luís (MA), e apresentou como temática principal Pesquisa social e políticas de ações afirmativas para os afrodescendentes. Essa temática reforça as posições, reivindicações e debates colocados nas edições anteriores e diz respeito a uma questão do presente, não só importante como necessária de ser discutida, diante da adoção de um conjunto de políticas públicas relativas à questão racial, mas especificamente do sistema de cotas nas Universidades e da Lei 10639/2003, que estabelece a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana na Educação Básica.

O Congresso de São Luís reuniu cerca de 595 participantes, oriundos de vários estados do Brasil e de países latino-americanos, confirmando a relevância desse evento, pela sua ampliação numérica e diversificação, qualidade da sua produção, visibilidade e pelos seus desdobramentos político-sociais.

Esse Congresso aprovou a realização do IV Congresso de Pesquisadores Negros, que acontecerá na cidade de Salvador (BA), neste ano.

Ação Educativa: Por que foi escolhido para este ano o tema “O BRASIL NEGRO E SUAS AFRICANIDADES: Produção e Transmissão de Conhecimentos”?

Marluce: O IV Congresso Brasileiro de Pesquisadores Negros emerge da necessidade de dar prosseguimento a relevantes reflexões acerca da temática étnico-racial ocorridas em edições anteriores desse evento, buscando apresentar proposições pertinentes às questões que vêm afetando a vida da população negra no país.

O projeto do Congresso foi elaborado por uma comissão de pesquisadores envolvidos com a construção do mesmo. A temática em questão procura oportunizar o debate e aprofundamento de questões relacionadas à África, Brasil e as africanidades na diáspora, através das produções de reconhecidos intelectuais da área e de outros estudiosos de destaque na contemporaneidade. Ao mesmo tempo objetiva também ampliar um debate que fortaleça a luta contra as desigualdades raciais que imperam em nosso seio social.

O IV Copene acontecerá em um momento muito propício às discussões que envolvem negros e negras, a saber: a) As Ações Afirmativas -principalmente na modalidade de cotas-, que demandam muitas reflexões, devido às polêmicas geradas em torno delas por parte de vários segmentos da sociedade; b) A aprovação da Lei 10.639/03 e da Resolução CNE/CP 01/2004 que tornam obrigatório o ensino de História e Cultura Africana e Afro-Brasileira em todos os níveis e estabelecimentos de ensino; c)A luta pela aprovação do Estatuto da Igualdade Racial pelo Congresso Nacional, entre outras questões correlatas ainda passíveis de reflexões e ações por parte dos governantes e da sociedade em geral.

O tema prima pela valorização da diversidade de saberes, práticas, posturas e compreensões acerca do conhecimento, no que tange às relações étnico-raciais. Com isso, vislumbramos a saída de uma perspectiva meramente eurocêntrica para galgar outros modos de sentir, expressar, viver, compreender e socializar ideais e valores sócio-culturais denegados secularmente. Nessa linha de pensamento, salientarmos que nossa meta não é inverter o eurocentrismo pelo afrocentrismo, mas, sim, ampliar o leque de concepções e proposições pertinentes às questões que afetam a população negra no Brasil, especificamente, e aos brasileiros de um modo geral.

Em suma, traremos à tona as questões e problemáticas da realidade da população negra na sociedade brasileira, assim como as reconstruções diaspóricas de sua ancestralidade e resistência. A disseminação desses conhecimentos e informações, o debate e reflexão de tais questões, a busca de alternativas que possibilitem a equidade social, farão parte da congregação de intelectuais, pesquisadores/as e entidades dos movimentos negros no IV Congresso Brasileiro de Pesquisadores Negros. Consolidar e ampliar as atividades de pesquisa e intercâmbio em torno das temáticas étnico-raciais é a principal razão da existência desse Congresso.

Ação Educativa: Qual a expectativa para o IV Congresso? Quantos participantes são esperados?

Marluce: A expectativa no que diz respeito aos números é de cerca de 1.000 a 1.200 participantes, de uma maneira geral. No que diz respeito ao próprio desencadeamento do congresso é de debates e produções fecundas, com a divulgação dos trabalhos realizados. A qualidade dos pesquisadores envolvidos na construção desse congresso já é uma garantia de sucesso – podemos contar tanto com pesquisadores renomados, com um enorme produção na área, como com pesquisadores que estão iniciando na pesquisa, e esses diálogos certamente produzirão bons frutos.

Ação Educativa: Qual o perfil esperado? Para quem o IV Congresso se destina?

Marluce: O perfil é esse: ser pesquisador da temática étnico-racial, em qualquer nível ou grupo. Nesse sentido, o pesquisador não precisa necessariamente estar vinculado à uma Instituição de Ensino Superior, ou mesmo uma instituição formal de educação, pode ser um auto-didata ou um pesquisador ligado aos movimentos sociais, no caso, ao Movimento Negro de forma especial. Esse perfil está sintetizado nas categorias elencadas em nosso website, que aliás gostaria de divulgar o endereço e pedir à todos interessados que acessem e participem, pois serão muito bem-vindos. Segue o site: www.4cbpn.com No mais, quero agradecer essa oportunidade e dizer que o IV COPENE será um momento muito especial e importante para o desenvolvimento da pesquisa e a produção de conhecimento nesse país, ainda mais se entendemos que é necessário construir saberes que respeitem a diversidade e possibilite a inclusão de todos no fazer e na apropriação desses saberes.

Mais informações podem ser obtidas no site oficial do COPENE

6 thoughts on “O Brasil negro e suas africanidades

  1. O Brasil negro e suas africanidades
    Ivete.Parabéns por continuar tentando, sou professora do CEFET de Minas Gerais, negra como você e buscando também aperfeiçoamento na mesma questão, terminei no final do ano passado um curso sobre Africanidades oferecido pelo Mec em parceiria com a Universidade de Brasília e gostaria muito de receber o seu projeto.Vou te passar meu e-mail e assim poderemos trocar experiências e quem sabe nos encontrarmos em algum evento aí pelo Brasil.Grande abraço e coragem sempre.E-mail cris@div.cefetmg.br.

  2. O Brasil negro e suas africanidades
    Ivete

    Acessei hoje este site em busca de continuidade para o curso africanidades oferecido pelo mec em 2006. Sou militante negra, trilhando pelos caminhos da educação e cada vez mais ansiosa por informação para poder quem sabe alcançar seus conhecimentos e fazer um mestrado em ” africanidades”. Parabéns pelo prêmio e pela iniciativa em compartilhar seu projeto. Sou coordenadora em Taboão da Serra dos assuntos referentes à implantação da lei 10.639 e aceito toda contribuição.
    Segue email para contato. Rikaeiroz @ gmail.com.
    Abçs e muito AXÉ !

    1. O Brasil negro e suas africanidades
      Estou iniciando a minha jornada de trabalho como professora eventual em uma Unidade Escolar Estadual
      do município de Jandira. Pensei em trabalhar as questões relacionadas às diversidades culturais. É possível auxiliar-me com sugestões de livros, textos, experiências múltiplas de regiões com culturas diferenciadas e que precisam ser aceitas por todos para uma educação de qualidade? Obrigada.
      Nice Vitorino

      Pedagoga

  3. O Brasil negro e suas africanidades
    Bem gostaria de saber mais sobre esse encontro,IV Congresso Brasileiro de Pesquisadores Negros!
    Como se inscrever?Ate que dia è a inscricao?Se possivel,pois faço parte de um grupo que estuda a questao ètnico/racial,na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte!
    Desde ja agradeço a atençao

  4. O Brasil negro e suas africanidades
    olá colega também sou professor da rede pública em são paulo e ,tenho dificuldades enormes na educação oficial quando se trata da abordagem da história da Africa na grade curricular, pois além de ser negro, me preocupo muito com a forma que tal ensino vai se dar, me chamo leonardo sou formado em sociologia e gostaria de manter contato com voce, um forte abraço e sucesso

  5. O Brasil negro e suas africanidades
    A luta da pesquisa no Brasil no campo da cultura afro, sempre foi muito dificil, a partir de alguns anos, é que iniciou-se esse processo de valorização. Sou professor da rede pública e membro do conselho afro de São José do Rio Preto-SP. Comecei a pesquisar e ler sobre cultura afro brasileira a quase quarenta anos pois senti que os professores, os meus amigos estudantes não compreendia e não entendia uma série de coisas sobre a minha cultura.E eu negro, com uma forte ligação estrutural de familia afro, sendo espiritualista, tendso avô folclorista,e tendo acesso a uma serie incrivel de livros, vi que era preciso ler, entender e discutir com bom grado aos pares que comigo conviviam, portanto essa onda de africanidade foi boa, pois tranquilamente destaco-me entre todos os mortais.

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