Foto: Pintura na plataforma da Estação de Trens da Lapa em São Paulo
“O artigo A participação feminista nos processos Fórum: duas ou três coisas para reflexão” é publicado originalmente no boletim Fazendo Gênero – Ano IX – nº 25 – março a junho/2006, editado pelo Grupo Transas do Corpo
Desde o início dos processos Fórum Social Mundial (FSM), em Porto Alegre como contraponto ao Fórum Mundial Econômico em Davos, 2001, as feministas vêm participando ativamente da sua construção. Essa presença tem sido acompanhada por uma preocupação permanente: construir avaliações periódicas que nos ajudem a identificara refletir e a refletir sobre os limites e potencialidades do Fórum como estratégia de fortalecimento dos movimentos sociais que se posicionam contra as forças.
Embora não tenha a pretensão de avaliar o FSM, trago alguns elementos e reflexões que, espero, contribuam para fortalecer a articulação feminista e sua incidência política nesses processos, em especial, no II Fórum Social Brasileiro, que acontece de 20 a 23 de abril próximo, no Recife.
O Fórum é um processo de mobilização, debate e articulação política em permanente construção. É fruto da decisão de sujeitos coletivos e, portanto, sua consistência e permanência dependem também da responsabilidade coletiva das organizações, redes e articulações de movimentos presentes nos conselhos políticos, comitês e comissões de trabalho, mas também das organizações da sociedade, cuja participação se dá por meio da proposição de atividades auto-gestionadas; participação nas marchas ou na organização de manifestações e protestos ou ações similares no seu território.
Isso significa também que sua permanência e consistência são dadas à medida em que se articula um conjunto de fatores como compreensão dos sentidos polítics para o fortalecimento dos movimentos sociais, investimento e capacidade de mobilização no âmbito das redes e articulações dos diferentes movimentos, passando também pela construção de análises da realidade e pelas disputas de sentido que fazem dos fóruns um espaço múltiplo, diverso, onde as contradições presentes na sociedade e nos movimentos sociais se refletem. Há quem defenda, por exemplo que o Fórum deve ser unificar todas as lutas, deve favorecer a construção de uma agenda única; em oposição argumenta-se que pela diversidade ali presente é impossível se criar uma agenda única e que o Fórum não deve se arvorar a este propósito. Com o quê, concordamos. Afinal, me parece impossível imaginar uma agenda única, onde setores da igreja que, mesmo identificados com a luta por direitos humanos têm um entendimento contrário à defesa do aborto como um direito das mulheres?
No entanto, a horizontalidade proposta pelo Fórum permite, por exemplo, que em Caracas hajam, pelo menos quatro oficinas e debates, sendo duas propostos por sujeitos feministas (Articulação Feminista Marcosur e Católicas pelo Direito de Decidir); uma por uma articulação de movimentos sindicais argentinos e a última proposta por um coletivo de mulheres. Mas na prática, o exercício dessa ‘horizontalidade’ é mais complexo e, a meu ver, nem sempre possível. Em 2005, por exemplo, era emblemático constatar que os espaços destinados ao eixo das diversidades eram, de longe, os mais inadequados ao conjunto de debates neles realizados na quentíssima e sonora Porto Alegre.
A experiência do Fórum Social Nordestino trouxe também importantes lições no que diz respeito às exigências que faz a partir de uma construção onde sujeitos tão diferentes se encontram. Refletindo sobre a participação feminista e dos movimentos de mulheres, o FSNE faz um contraponto aos demais fóruns acontecidos em Porto Alegre, Índia e Caracas. Aqui a presença das mulheres não só foi significativa, como….
Hoje, constitui-se como um espaço importante de visibilização dos movimentos sociais e das questões que estes vêm aportando para atualizar, dar novos sentidos e lançar desafios para o fortalecimento e ampliação da democracia. É, portanto, um processo onde se articulam lutas, se constroem diálogos e alianças, mas também se disputam sentidos dos conceitos, de metodologias de organização da ação política. É, portanto, um espaço de conflitos e tensões que são inerentes à democracia. Mas é também um grande laboratório, onde é possível experimentar ações mais coletivas, alimentar a produção de conhecimento, a reflexão sobre a luta cotidiana, fazer vibrar nas ruas todos os gritos, todas as cores das bandeiras de nossas bandeiras de luta.
A experiência política, a capacidade de análise crítica e a ousadia das propostas feministas não podem ficar de fora!
De fato, o movimento de mulheres / feministas se fazem presentes nos processos Fórum a partir de diferentes identidades. Presentes em vários redes e movimentos, as mulheres feministas aportam novas perspectivas e inquietações sobre problemas como a cidade que queremos, o mundo do trabalho em época onde a reestruturação produtiva nos retira mais direitos em troca de mais trabalho, afirmando os direitos sexuais e reprodutivos contra todas as tentativas de cercear nossa liberdade e autonomia.
Isso significa compreender esses espaços mais amplificados, dialogando com outros sujeitos que também ampliam a luta pela democracia.
A um mês de sua realização, como podemos contribuir para a democratização e a qualidade do II Fórum Social Brasileiro?
Mobilizando as companheiras nas organizações, fóruns, articulações e redes do movimento; articulando e inscrevendo atividades auto-gestionadas com uma abordagem feminista sobre diferentes temas e questões; participando/articulando comitês estaduais de mobilização e buscando recursos para assegurar uma presença expressiva das mulheres de organizações populares; realizando debates sobre os temas que concretizam as áreas de diálogo.