A diferença da desigualdade

Cerca de cinco mil cadeiras, em três níveis de piso do grande ginásio de esportes do SESC de Nova Iguaçu, e todas elas tomadas na abertura da primeira conferência sobre Educação, Cultura e Diversidade. O foco de atenção da imensa platéia foi desviado do calor arrasador que se instalava na cidade e nos espaços do FME para as primeiras histórias relatadas pela ativista do MST Clarice Aparecida dos Santos sobre a educação de seu povo no campo.

Ela foi contando como o movimento percebeu que educação e luta pela reforma agrária eram aspectos de uma coisa só, e que tinham de ser buscadas e conquistadas. Ou de outra forma os sem-terra não contariam mais do que com políticas assistencialistas de educação motivadas pela idéia de que é preciso para resgatar os “jeca-tatus” de seu próprio fracasso. Porque é assim, diz ela, que o campo é percebido pela cidade.

A crueza das palavras de Clarice, segundo quem “a pior das escolas da cidade não é pior do que a melhor das escolas do campo” e portanto a “universalização do ensino” é um blefe, manteve os olhares do público grudados nos telões que levavam os palestrantes para mais perto da platéia. E os que vieram depois de Clarice não fizeram por deixar esses telões sem público.

Um jovem branco de 25 anos tem quase 2,5 anos de escolaridade a mais do que um jovem negro da mesma idade, disse Ricardo Henriques, do Secad/MEC. Nenhuma novidade, todo mundo sabe o Brasil que se da bem é branco e do sexo masculino. Mas o que fez todo mundo pensar, durante sua fala, foi quando ele contou que os pais desses jovens, quando jovens, tinham ambos menos educação, mas entre si a mesma diferença, de quase 2,5 anos de escolaridade. E seus avós, ainda com menos oportunidades de estudar, também já demarcavam a distância entre eles que até hoje perdura, de 2,5 anos de diferença.

Essa paralela que não se move nem se desmonta, por mais que os níveis e recursos de educação melhorem ao longo do tempo, é o espelho de uma desigualdade que se perpetua, e na qual as políticas públicas não tocam. Entre os muitos equívocos dos discursos feitos no Brasil, reflexos de uma formação colonial – que também se perpetua – está o de achar que os afrodescendentes “contribuíram muito” para a formação do país. A alfinetada, desta vez, é de Rosângela Araújo: “A cultura africana não é uma cereja colocada em cima da cultura brasileira, mas a matriz estruturante de nosso processo civilizatório”. Até cair essa ficha na percepção brasileira, haja educação. E haja enfrentamento político, social, cultural.

Um por um, brasileiros/as e convidados – como o costa-riquenho Vernor Munhoz, relator da ONU pelo direito à educação e o colombiano Orlando Pulido, do Fórum Latino-americano de Políticas Educativas – concordaram que a educação não consegue resolver sozinha seus problemas: como o de aceitar desigualdades como se fossem diferenças. Sem mudanças profundas estruturais, anti-patriarcais, anti-colonialistas e anti-neoliberais, a escola não escapa da sina de reproduzir um Brasil que confunde essas as duas coisas.

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